Tradução: Diogo Corrêa
Revisão: Samantha Sales
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Contingência, indeterminação, abertura contínua do futuro
“Nós estamos em um mundo no qual não cessamos de ser alarmados e no qual as avaliações de riscos transformam-se rapidamente em polêmicas”. Esse diagnóstico, feito por um especialista em saúde ambiental, suscita concordância imediata do sociólogo. Cada um, a partir de seu ponto de observação, ou sobretudo de sua lógica de ação, constata que, mesmo em um domínio relativamente especializado, a quantidade de informações e discussões que é preciso integrar é “propriamente astronômica”, e que o grau de incerteza sobre o que se sabe, o que se ignora, o que se sabe ou ignora não saber, não cessa de variar[1]. Nos domínios mais diversos, os atores mencionam a importância dos fluxos digitais que, ao mudarem a lógica das provas públicas, isto é, os modos de circulação e as formas de argumentação, transformaram a criação de atores e de argumentos. O fato de que a propósito de não importa qual acontecimento, estudo, declaração, o leitor de um texto ou auditor de um discurso possa ele próprio realizar sua investigação, tomar conhecimento dos elementos de uma causa pública e debatê-lo mudou as modalidades da pesquisa sociológica (Chateauraynaud, 2014). De outro lado, uma dúvida se propaga sobre a consistência da obtenção dessas informações: enquanto as causas levavam muito tempo para se imporem nas arenas públicas, elas são mais rapidamente afetadas pela violência polêmica (Amossy, 2010; Lewiñski, 2010). Suas repercussões, seus entrelaçamentos permanentes caracterizam seu modo de existência pública. Entre as tensões vividas intensamente pelos atores, há aquela que coloca em comparação uma abertura demasiado grande de aproximações e conexões – “tudo está ligado”, “precisamos de um pensamento global”, “o antropoceno cria novas interdependências” – e uma redução demasiado forte do objeto, destinada a mantê-lo sob controle, com o risco de vê-lo desaparecer na hierarquia das preocupações comuns, ou de engendrar uma contestação do enquadramento, como no caso emblemático dos resíduos radioativos[2].
A entrada por esses processos dispersos e heterogêneos que cada causa pública torna manifestos opõe-se às formas de totalização que visam à caracterização de um sistema, cujas evoluções, caóticas em aparência, seriam tomadas como uma tendência longa, globalmente previsíveis. A pragmática das transformações não conhece, de antemão, a boa interpretação de processos, mesmo quando se trata de deliberar sobre o controle crescente de um capitalismo neoliberal baseado nas tecnociências (Pellizzoni e Ylönen, 2012; Pestre, 2014). Se seguirmos Dominique Pestre, a abordagem pragmática teria a desvantagem de gerar uma profusão de descrições locais e interpretações situadas, cuja ausência de uma perspectiva global contribuiria para o desarmamento da crítica, até mesmo para a sua internalização pelo sistema dominante. A propensão à totalização sistêmica não pode, contudo, esquivar a questão da sua própria balística: quem detém os conceitos globais, em quais processos críticos, construindo quais públicos e, sobretudo, quais pontos de referência para a ação coletiva e a fabricação de contrapoderes? Como se opera a recodificação da multiplicidade de experiências no cerne dos ambientes, o que não se manifesta senão ao lado, ou abaixo, das formas de governo que se desenvolvem de forças não governamentais ou não governáveis? Recusando estabelecer de antemão, e no lugar dos autores-atores, as relações entre séries passadas, situações presentes e trajetórias futuras, uma pragmática das transformações se opõe à deslegitimação da pesquisa aberta às surpresas do campo e à interpretação ancorada nas situações. Aparece aqui uma convergência de métodos da pragmática de transformações e da concepção de história que se pode ler nas obras de Dewey e de Mead. A indeterminação das séries causais e, sobretudo, a maneira como elas são reengajadas em um horizonte de possibilidades abertas, conduz a uma outra démarche crítica que não pressupõe uma posição projetiva e de exterioridade necessária ao desvelamento de causas mais fundamentais. É nesse mesmo movimento, no ponto de cruzamento de planos epistêmicos e axiológicos, que a abordagem pragmática se rebela contra a promessa das generalizações. Não apenas os processos são contingentes e os futuros indeterminados, mas, em seus ambientes, junto a todo tipo de práticas e dispositivos, as pessoas exploram continuamente os possíveis, remetendo o pesquisador a uma filosofia resolutamente não determinista do vivente (Simonneau, 2010). A contingência de que se trata aqui remete ao que Claude Lefort (1986, p. 25) colocava no coração da própria ideia de democracia, a saber, a indeterminação do futuro:
Enquanto a aventura democrática se desenvolve e os termos da contradição se deslocam, o sentido do que virá permanece em suspenso. A democracia revela-se assim uma sociedade histórica por excelência, uma sociedade que, em sua forma, acolhe e preserva a indeterminação, em contraste notável com o totalitarismo que, se edificando sob o signo da criação do novo homem, se agencia em realidade contra essa indeterminação, pretende deter a lei de sua organização e de seu desenvolvimento, se desenha secretamente no mundo moderno como sociedade sem história.”
Ou seja, uma história pragmática não pode senão assumir a indeterminação e a contingência dos processos. Contra a teleologia, que, por meio da grande narrativa, nos fala do estabelecimento de tecnopoderes, podemos nos colocar como tarefa revelar, no mesmo movimento, o que escapa às formas de governo e o que se impõe, em lugares e momentos específicos, como ingovernável. Quando crescem as contestações ou confrontações, seu alcance não é jamais antecipável de antemão. De tanto ler e escutar que o “sistema” absorve toda a crítica, nos perguntamos se os melhores veículos dessa endogeneização não são aqueles mesmos que enunciam sua fatalidade! Mas a melhor maneira de tratar os novos casos teleológicos é ainda substituindo-os no jogo histórico por formas da crítica que se exprimem no núcleo da controvérsia e dos conflitos.
Regimes da crítica em tensão
O exame das operações críticas é um dos marcadores metodológicos da sociologia pragmática francófona, mesmo se desacordos persistem sobre as consequências morais e políticas do distanciamento das teorias críticas (Boltanski, 2009; Barthe et al., 2013). Empiricamente falando, é importante especificar de qual crítica se fala. Sem dúvida, cada controvérsia pública manifesta um compartilhamento entre o aceitável e o inaceitável. E esse compartilhamento muda de sentido segundo a forma e o objeto da crítica: discussão técnica, crítica procedimental, denúncia de uma injustiça, ou crítica radical de um sistema. Ao distinguir mais precisamente diferentes regimes da crítica, compreende-se melhor porque certas confrontações criam pontos de irreversibilidade na trajetória de um problema público.
O primeiro regime observável é o da crítica técnica ou procedural. Ele remete à contestação de cálculos e métodos, escolhas técnicas e dispositivos de avaliação – como no caso bastante documentado da comparação entre custos e benefícios, tida como capaz de subsumir a problemática dos riscos em seu conjunto. Essa fórmula convém particularmente aos defensores de projetos, dado que seu enquadramento inicial não é fundamentalmente recolocado em causa e que a crítica alimenta, via deliberação, um processo de co-construção (Jasanoff, 2004). Quando os atores acordam a respeito desse regime, a expertise e a decisão se enriquecem gradualmente de questões e de observações. Se a trajetória da prova sofre inflexões, como nas figuras espetaculares de ligações ferroviárias de grande velocidade, linhas eletrônicas, incineradores, barragens ou aeroportos, o projeto pode finalmente obter o assentimento do maior número de atores concernidos. A minima, os promotores podem conseguir calar a crítica: as críticas são desfeitas uma a uma, seja pela endogeneização (a incorporação de pontos levantados nos aspectos técnicos ou procedurais), seja pelo contorno (muda-se os parâmetros, por exemplo jogando com a localização, a temporalidade, a extensão de um projeto, de modo a tocar meios mais favoráveis). Isso dito, mesmo no caso de uma aceitabilidade fundada sobre o esgotamento da crítica técnica e procedural, a suspeita de corrupção e de conflito de interesses não é eliminada. De fato, o acordo é rapidamente rompido se as relações de delegação descambam para a desconfiança, como quando nascem as condições de surgimento de um escândalo – o que faz rapidamente passar para um segundo regime crítico. O que importa de reter é que a crítica técnica ou procedimental já produz historicidade, dado que ela produz inflexões, rearranjos, modificações nos objetos e nos dispositivos e, assim, cria as condições de experiências futuras – como no caso bem documentado dos usuários e ribeirinhos que descobrem mais tarde que escolhas técnicas transformaram sua vida.
O segundo regime é fundado sobre a crítica judicializada, já muito mais incômoda para os poderes (Hermitte, 2013; Jobin, 2013). É aí que se constituem vítimas, reais ou potenciais, cuja destino não pode ser tratado pelo desprezo (Honneth, 2008), sem produzir, por meio de longos processos subterrâneos, do reavivamento e do ressentimento, até mesmo efeitos de ricocheteio que abrem para um círculo de violência política. O movimento da justiça ambiental, nascido nos Estados Unidos como uma extensão do movimento de direitos civis (Sze, 2007), mostra como o inaceitável se transforma duravelmente em injustiça. A forma do processo permanece a via mais utilizada, mas o repertório de ação é extremamente dotado de ferramentas para exprimir uma indignação e uma cólera legítima (Jasper, 1998). As figuras de reparação, desde a compensação até o reconhecimento, desempenham um papel maior, dado que estão no princípio de encerramento ou relançamento da crítica, a qual prepara a transformação em um regime mais abertamente político.
O terceiro regime é, portanto, o da crítica radical do “sistema”. Ela é sobretudo sustentada por minorias, mas, em certos contextos, essas chegam a federar os movimentos. Ela põe em causa a dominação econômica, o modelo de desenvolvimento, o controle do sistema tecnocientífico ou, ainda, a imposição de normas culturais. O caso dos transgênicos é, mais uma vez, exemplar e, ao menos no caso francês, o do gás de xisto se inspira nele (Chateauraynaud e Zittoun, 2014). Uma crítica radical feita por grupos muito particulares, constituídos em torno de uma atividade ou forma de vida (e.g. promotores neorurais de uma agricultura camponesa e de uma ecologia radical), visa à quebra do impasse da crítica procedural, ou técnica, ou da própria denúncia de injustiça que afeta alvos determinados, para desencadear um processo de mobilização geral conduzindo não apenas à retração de um projeto ou de uma tecnologia, mas também, e sobretudo, o modelo político e econômico subjacente. Desse modo, os atores entram em uma relação de força durável, o que cria uma série de precedentes, ações, decisões ou tomadas de posição exemplares, reutilizáveis por outros. O objetivo não é outro senão o modelo de sociedade, a forma de desenvolvimento e o tipo de economia política. A generalização mais depurada dessa reivindicação de alternativa foi por muito tempo realizada pelo altermundialismo, cujo (contra-)movimento dos povos no Rio+20, em junho de 2012, tentou reatualizar os temas e os argumentos, registrando uma perda de alcance político. A história permanece, contudo, aberta, como mostram os retornos, mais locais em um primeiro momento, dos movimentos Syriza e Podemos no sul da Europa[3].
Com a renovação da crítica que se manifestou, sobretudo, no início dos anos 2000, ou mais precisamente no final de 1999, com a mobilização de contestação de Seattle contra a Organização Mundial do Comércio, a noção de “sistema” voltou ao centro das figuras da denúncia[4]. O contradiscurso em circulação, frequentemente qualificado de “discurso antissistêmico”, reengendra um pensamento crítico do sistema em diversas faces: “sistema capitalista”, “neoliberalismo”, “sistema-mundo”, “sistema global”, “global-político”, “finanças mundiais”, “poder das tecnociências”, “neo-racionalidade”, etc. Hoje distanciada pelas ciências sociais, a noção de sistema, que, muito depois da arquitetônica kantiana, progressivamente se nutriu de todas as ambiguidades, desde a ecologia (o termo ecossistema data dos anos 1930), a teoria da informação cibernética, até as teorias da complexidade, passando pela teoria das organizações e do funcionalismo, é essencialmente presente nos enunciados críticos. A referência ao “sistema” introduz dois elementos maiores nos raciocínios. Primeiro, uma teleologia. Os diferentes processos são aferidos em referência ao estado de um sistema cujo equilíbrio constitui a finalidade, e do qual estuda-se as condições de “retorno ao equilíbrio” ou as “capacidades de adaptação”. Em seguida, o “sistema” remete a unificação de um espaço de cálculo. O controle da lógica computacional (ou “computacionalismo”) tende a homogeneizar as ferramentas de apreensão dos acontecimentos e dos processos. Tudo o que advém deve ser avaliado a partir de um conjunto reduzido de princípios de equivalência (crescimento do PIB, emissão de CO2, consumo de energia, custo marginal, conectividade, obsolescência, indicadores sanitários e ambientais como esperança de vida, o bom estado ecológico ou a disponibilidade de um recurso, etc.).
Uma vez nesse ponto, compreende-se melhor por que a questão da federação de causas, chamada alhures de “coalização discursiva” (Hajer, 2005), é muito importante na análise de controvérsias. Os dossiês, e os processos críticos que eles atravessam, não são independentes e dão lugar a transposições ou convergências, o que nutre, por sua vez, as controvérsias sobre os objetos em causa. É preciso, portanto, constantemente se colocar acima das operações de enquadramento (framing) pelas quais se fixam, mas também se deslocam e se deformam, os objetos da controvérsia. Não se pode esquecer aqui de lembrar a pertinência analítica do tríptico proposto por Marcelo Dascal (2008), quando ele distingue a discussão, a controvérsia e a disputa.
Na discussão, os participantes visam, antes de tudo, à cooperação. Isso não significa que tudo nela seja simples e monótono, pois isso pode tomar tempo. A discussão pode ser interrompida por momentos de tensão, por crises, mas é sempre possível “retomar a discussão”. Na discussão, as trocas de argumentos são marcadas por uma atividade colaborativa que visa à clarificação, à seleção e à coordenação de argumentos com vistas a uma decisão coletiva. Uma escola de argumentação, por muito tempo dirigida por Frans van Eemeren na Holanda (Van Eemeren e Garssen, 2008), desenvolveu de modo particular a análise dos processos pelos quais os protagonistas visam à resolução de tensões ou de contradições ao entrarem em um processo argumentativo de natureza cooperativa.
Do outro lado, no mesmo continuum, Dascal situa a disputa. A lei do mais forte é o horizonte de desenvolvimento de toda disputa, o que não tinha escapado aos sofistas, e ainda menos a Schopenhauer em seu célebre Traité d’éristique, ou l’art d’avoir toujours raison. Com a disputa, abre-se uma prova de força de que não se conhece verdadeiramente o final, e no melhor dos casos, constata-se um profundo desacordo (deep desagreement).
E Marcelo Dascal coloca a controvérsia como uma figura instável entre os dois procedimentos. A controvérsia pode assim caminhar na direção da cooperação, do acordo ou do consenso ou, ao contrário, na direção do dissenso, do desacordo e do diferendo. Nesse contexto, a argumentação desempenha o papel de distribuidor de pontos de convergência e de divergência. Se os atores, de modo mais frequente, argumentam em favor de suas causas sem intenção de mudar de posição, eles são conduzidos a fazer concessões, a deixar de lado boa parte dos argumentos iniciais, a levar em consideração, ao menos parcialmente, o ponto de vista dos outros. E se a argumentação vai mais na direção da separação de pontos de vista do que na direção de sua conciliação, a controvérsia tem por virtude clarificar os vínculos, os valores, as formas de raciocínio. É isso que permite ver em certas controvérsias conflitos bem-sucedidos.
Ao se colocar nos pontos de distribuição de diferentes processos possíveis, sem finalizá-los de antemão, a sociologia contribui para a inteligência de trajetórias não lineares (Bessin, Bidart e Grossetti, 2009), feitas de imprevisíveis retornos. Novos empreendimentos se abrem sobre a historicidade da ação e do julgamento. Não se trata apenas de colecionar “estudos de casos”, mas de se dar os meios para compreender o que, em um dado contexto histórico, produz argumentos, e de melhor delimitar o que transforma ou movimenta um conjunto de valores ou de crenças. Pois se as controvérsias de longo alcance tornam visíveis pontos de parada, como que congelados no tempo, elas tornam também manifestas processos de revisão e modificações por vezes profundas de dispositivos de ação e de decisão: uma doutrina de segurança completamente revista depois de Fukushima, uma relação de força transformada entre os modelos agrícolas depois das mobilizações anti-transgênicos, escolhas enérgicas afirmadas quando as energias renováveis são preferidas no lugar do gás do xisto, com variações notáveis segundo os países e as configurações políticas, mas que os atores econômicos dificilmente podem ignorar.
As descrições finas levadas a cabo pelas pesquisas pragmáticas sobre os alertas e as controvérsias levam, assim, a relativizar a ideia de controle de um sistema unificado. Há inúmeros esboços de sistemas, e múltiplos atores têm o projeto de deles forjar a estrutura procurando a encerrar o espaço de possíveis na confecção de normas e de dispositivos. Mas, ao mesmo tempo, outros atores, vendo se formarem linhas de força de um “sistema”, perscrutam as linhas de falha, se lançam a denunciá-las, confundi-las ou desconstrui-las[5]. Em suma, a ideia que UM sistema, por exemplo um sistema neoliberal fundado sobre as tecnociências, configura realmente o mundo não é válida para a descrição e análise dos processos críticos nos quais se revelam tanto irredutibilidades e singularidades como incomensurabilidades. As três noções não recobrem as mesmas formas de experiência, dado que a irredutibilidade supõe uma intenção de redução, a singularidade de uma operação de generalização e a incomensurabilidade, que é expressão de diferendos ou visões de mundo antagonistas[6]. Se, para o militante, a arte da política deve consistir em tornar o mundo governável malgrado a ausência de convergência dos meios e dos dispositivos em uma representação unificada a altura dos desafios globais (Bourg e Whiteside, 2010), para o sociólogo pragmatista, o pluralismo e a abertura contínua de possíveis emergem continuamente da inesgotável reserva de experiências.
Sete máximas pragmatistas no núcleo da pragmática das transformações
O pragmatismo vira as costas, de uma vez por todas e de forma resoluta, a um conjunto de hábitos inveterados caros aos filósofos de profissão. Ele escapa da abstração de tudo o que torna o pensamento inadequado – soluções apenas verbais, más razões a priori, sistemas fechados e confinados – e de tudo o que é supostamente absoluto ou estipulado a priori para ir na direção do pensamento concreto e adequado, na direção dos fatos, da ação eficaz. O pragmatismo rompe, assim, com o temperamento do empirismo atual, assim como rompe com o temperamento racionalista. O ar fresco, a natureza com todo o universo de possíveis que ela encerra, eis o que significa o pragmatismo ao tomar posição contra o dogma, contra as teorias artificiais, contra as falsificações de caráter teleológico que se pretende ver na verdade. É preciso lembrar, ao mesmo tempo, que o pragmatismo não toma posição por nenhuma solução particular. Ele não é senão um método (William James, 2007).
O pragmatismo é, sem dúvida, mais do que um método, e não o seria não fossem as modificações ontológicas que ele produz com sua atenção às entidades que emergem dos processos mais finos que habitam o núcleo da experiência prática. Ao revisitar as noções de processo e de duração, a abordagem que opta pela observação das transformações se nutriu de vários preceitos pragmatistas. Os textos dos pais fundadores foram integrados gradualmente, menos por um objetivo acadêmico ou formal e mais para contribuir para a reformulação das questões colocadas pela pesquisa dos processos sociais não convencionais. Desse modo, o questionamento situado no próprio núcleo da atividade descritiva e analítica do pesquisador se cruza com as problemáticas dos historiadores que se interrogam sobre as formas de ação e as lógicas práticas (Cohen, 2013). O diálogo aberto entre sociologia e história fornece a ocasião para que se explicite a posição ou, sobretudo, o uso das principais máximas pragmatistas, e para que se caracterize, através disso, o tipo de historicidade em jogo na análise das controvérsias de longa duração.
A primeira máxima que se impõe é a do primado da experiência, cujas melhores formulações encontram-se na obra de William James. Entendida por meio da atividade perceptual do mundo social, a noção de experiência produz, antes de tudo, uma sociologia dos afetos e dos perceptos. Na acepção que lhe é dada aqui, a experiência está ligada ao conceito de “preensão”, que estava no núcleo da primeira versão da sociologia da percepção, a fim de compreender as idas e vindas constantes entre representações (marcos de localização) e mundos sensíveis (dobras) (Bessy e Chateauraynaud, 2014). Foi ao estender, em seguida, o estudo da fábrica das preensões ordinárias e extraordinárias às questões da atenção e da vigilância que a figura do lançador de alerta (lanceur d’alterte ou whistleblower) foi forjada. O alerta ganha consistência sob um fundo de atenção-vigilância, portanto de um trabalho perceptual; a questão, aqui, é como restituir positivamente a experiência contra a redução da percepção ordinária à lógica de crenças e de opiniões ou, ainda, à de vieses cognitivos (Luneau, 2015). Se a percepção é entendida no sentido de Merleau-Ponty, como faculdade primeira do ser-no-mundo, uma reformulação pragmática permite dela ampliar o alcance para além da fenomenologia, prolongando o movimento aberto por Alfred Schütz na direção das interações contínuas entre ambientes e dispositivos de expressão, o que conduz a encontrar no caminho a abordagem da percepção de Tim Ingold (2000, 2011) em sua antropologia ecológica do ambiente. Se Ingold não se baseia nos pragmatistas americanos, o modo como ele opõe o plano sensível ao do cálculo leva-o a promover o primado da experiência.
A dimensão processual e o caráter gradual da produção de argumentos e de provas de verdade reivindicam uma epistemologia pragmática que ressoa não apenas com a concepção de investigação de John Dewey, mas também com a importância conferida à produção de questões e de hipóteses no cerne da lógica abdutiva de Peirce (Chauviré, 2004). A abdução se impõe tanto mais fortemente quanto se lida com objetos controversos e com atores tomados por inúmeros fatores de ignorância, incerteza e indeterminação. Ao olhar como se produzem, ao longo dos processos críticos, graus de tangibilidade e atitudes epistêmicas (graus de convicção), pode-se ligar a ideia de processo de transformação àquela de elaboração gradual das provas pela lógica da investigação (Chateauraynaud, 2004).
Mais clássica, a máxima frequentemente considerada como sinônimo de pragmatismo é a da predominância do raciocínio pelas consequências. Ela é tanto mais central para as investigações nas quais se realizam, ao mesmo tempo, a consideração da avaliação crítica dos argumentos críticos, defendidos ou atacados por suas consequências (Angenot, 2008), quanto, no mesmo movimento, uma clara orientação na direção do futuro ou sobretudo dos futuros, sejam eles julgados plausíveis, prováveis ou certos[7]. O estudo dos alertas e das controvérsias conduz a distinguir, ao menos, duas formas de consequencialismo: um consequencialismo limitado, compatível com o raciocínio probabilista e a teoria da ação racional, desde que nela se possa estabelecer um espaço de cálculo que vincula causas e consequências (como no raciocínio benefícios/riscos); um consequencialismo aberto, que leva em conta a descoberta gradual e controversa de consequências que não se revelam senão no curso do tempo – o que corresponde à vinculação gradual entre a investigação e a compreensão dos fenômenos. Há vários casos em que não se pode (ainda) extrair todas as consequências de um acontecimento ou de uma ação: é preciso, ao mesmo tempo, a existência da duração e da concertação, e entrar em uma lógica abdutiva porque não se está mais em um contexto cognitivo definido por uma alternância entre dedução e indução.
A máxima seguinte concerne a publicização da discussão sobre os problemas e a formação de coletivos de investigadores. Dewey estabeleceu a fórmula dessa máxima no livro Le public et ses problèmes (2010), e não cessou de observar a emergência de novos públicos concernidos no curso de alertas, controvérsias ou decisões públicas. Os elos entre pragmatismo das origens e as teorias da democracia participativa, aberta à pluralidade de públicos e às suas formas de organização coletiva, estão hoje abertos (Zask, 2011). A acumulação de exemplos de penetração de públicos julgados ilegítimos nas arenas até então reservadas ou confinadas, colocadas em vão sob o controle de experts oficiais, confirma a hipótese de uma “inteligência coletiva”, cujo alcance não encontra nada parecido com o que por muito tempo foi o apanágio dos modelos cognitivos centrados sobre o indivíduo concebido como centro autônomo de raciocínio[8].
A orientação na direção da ação em vez do fechamento da representação é um outro preceito compartilhado pela sociologia pragmática e pela filosofia pragmatista. Essa orientação na direção da ação tem consequências sobre a maneira de abordar os casos e de deles organizar a descrição. Todavia, ainda é necessário precisar o que se entende por ação. Se se admite que não há ação sem dispositivo intencional, seja ele revelado ex-post e por uma multiplicidade de agentes, ou de actantes dotados capacidades distintas mas distribuídas, como na teoria da agency[9], é preciso poder discernir nos processos como se formam as intenções, os objetivos, os planos ou as perspectivas das entidades presentes, quando estratégias são atribuídas a pessoas, grupos ou instituições – o que produz uma ontologia do social. Desse ponto de vista, uma pragmática das transformações se esforça para evitar as aporias, tanto quanto as teorias da ação que permanecem cativas do modelo do ator racional, assim como das teorias da agência que perdem em refinamento analítico ao deixar indeterminadas as potências de agir de diferentes entidades. O que advém dos processos observados é que as capacidades de ação tomam tempo para se formarem. Elas não são imediatamente dadas, ou apenas após a incorporação de rotinas, regularidades ou hábitos ao longo de provas anteriores[10]. As disposições também estão em transformação e, a mínima, necessitam de um trabalho de sustento, suporte e manutenção. A fábrica de preensões na longa duração faz parte dos objetos derivados da sociologia pragmática das controvérsias atenta às modalidades de aprendizagem dos atores (Bessy e Chateauraynaud, 2014).
O pluralismo de modelos e valores é uma obviedade na démarche adotada em face da incomensurabilidade de posições e da irredutibilidade dos ambientes em competição nas controvérsias cujos fundamentos omite-se à explicitação. É aí que o retorno aos textos filosóficos mostra a sua fecundidade. O pragmatismo estando fundado na ruptura com toda ideia de doutrina, a pesquisa se ampliou por meio de uma abertura contínua ao questionamento e à variação de experiências, e não como desenvolvimento de um caderno de encargos a serviço da comunidade detentora de uma caixa de ferramentas da ação e do julgamento. Mas o pluralismo significa também uma abertura ao surgimento e à incongruência, ao que não estava presente nas formulações iniciais e, como se vê a propósito do risco teleológico, uma exploração contínua de futuros, e também das variações imaginárias – quando as experiências de pensamento ou de narrativas de ficção científica participam da fabricação do espaço de possíveis.
Permanece uma última dimensão a ser sublinhada, mais raramente assinalada na literatura em torno do pragmatismo: a reversibilidade dos lugares e das posições de poder. É aqui que se impõe uma articulação profunda entre uma pragmática do público e uma sociologia do conflito. A reversibilidade de poderes, sua inversão ou sua renovação contínua é uma dimensão maior do pragmatismo, ao menos em Dewey e em Mead, que eram sobretudo os mais lúcidos no que diz respeito à importância das desigualdades e dos recursos de influência social. Mostramos que ao levar em conta a fábrica de micropoderes, o pesquisador não estava, contudo, condenado a uma epistemologia do desvelamento: ele pode integrar, como sendo constitutivos dos processos estudados, as assimetrias de preensões e as relações de poder a que as pessoas e os grupos experimentam (Chateauraynaud, 2015).
Essas máximas ganham todo o seu sentido quando nós nos pomos, através de pesquisas, a explorar os ambientes em interação. O caráter indeterminado dos processos advém de trocas, fricções irredutíveis, múltiplas e amplamente imprevisíveis em seus efeitos de influência, desde a figura do bumerangue até a da bola de neve, passando por aquela do ricochete[11]. Vimos a importância dos pontos de irreversibilidade ou de momentos de transformação, das provas de reformulação ou de retotalização de processos em questão. Para compreender o sentido que lhes dão as pessoas e os grupos, e as preensões de que elas dispõem ou que elas procuram elaborar, é preciso conectar as expressões públicas, as narrativas, os argumentos às atividades práticas e às interações mais ordinárias. O alcance de um ressurgimento, de uma ruptura ou de uma transformação deve se entender em dois sentidos: quais são as práticas e as atividades que são mais afetadas, e qual forma de retroação produzem as maneiras de captar e interpretar as provas públicas. Sua repercussão sobre as formas de vida é sempre incerta, mesmo se gerações de atores tentam mensurá-la procurando compreender o impacto de um debate, de uma crise ou de uma catástrofe sobre a “opinião pública”. Diante da entrada pelas representações agregadas das categorias dominantes, a abordagem pragmatista prefere a atenção ao que os atores dizem, ou não dizem, de suas atividades práticas. O que muda a entrada fracassada de desreguladores endócrinos na atividade de expertise de uma agência sanitária? Como se redefinem, depois de Fukushima e da promoção de “testes de estresse” pela Comissão Europeia, as avaliações práticas de dispositivos de segurança sobre uma usina nuclear, que ela esteja em construção (EPR), em curso de prolongamento, ou em vias de ser fechada (Fessenheim)? Como operam os agricultores e os sementeiros no campo, quando suas tensões em torno dos direitos sobre a linhagem de vegetais foram levadas ao extremo pelo conflito dos transgênicos[12]? Em cada um desses dossiês acompanhados, vemos o desenvolvimento de lógicas argumentativas a serviço de uma causa ou posição, e lógicas narrativas que trazem à tona, nos dispositivos de expressão, cujo alcance é muito desigual em razão da importância midiática nos processos críticos, as experiências de atores até então silenciosos, tomadas em seus ambientes e em suas formas de vida. Em outras palavras, seguir os alertas e as controvérsias de longas sequências temporais é igualmente contribuir para uma história das práticas, suas formas de expressão e de representação, os tipos de fricção ou de transformação pelas quais elas são afetadas – e que estão no princípio das formas de indignação e de raiva legítima no domínio de ação (Tsing, 2005).
Na dinâmica das controvérsias, nós nem sempre lidamos com dois campos dispostos face a face, como na figura do agon. Múltiplos atores entram em competição de maneira desordenada e seu impacto é mais ou menos forte sobre a trajetória dos dossiês e das causas. Quando, na Alemanha, cervejeiras se misturaram com projetos de aproveitamento e exploração do gás do xisto ou, no dossiê dos OGM, quando os apicultores abriram suas comitivas contra os transgênicos, em nome dos riscos contra as abelhas e a biodiversidade em geral, interesses e representações, que não eram necessariamente pré-definidos, ou em todo caso expressos, se formam ou se reformam, modificando o espaço de cálculo – sem o qual é praticamente impossível inferir os interesses. Aliás, é porque toda aparição de um novo ator faz potencialmente vacilar representações estabelecidas – incluindo aquilo a respeito do que são e do que fazem tais atores – que todo surgimento é objeto de disputas na disputa. Pode-se analisar esses fenômenos por eles mesmos, mas eles funcionam como reveladores de ambientes em causa, cuja mobilização ou interpelação traduzem o concernimento – noção oriunda do pragmatismo e consagrada pelos textos internacionais sob a forma de “públicos concernidos” (public concerned[13]).
Conclusão
A lógica da investigação preconizada pela pragmática das transformações confere uma importância particular aos elementos que vêm se chocar com os procedimentos, as antecipações de cenários, os argumentos que tinham sido estabilizados publicamente. A cristalização de espaços de representação e de repertórios normativos permite às ciências sociais descreverem, sob categorias que criam uma ilusão de permanência, promotores e contestadores bem identificados. Na realidade, a ideia de um campo de “contestadores” é um artefato pernicioso para a compreensão fina das dinâmicas em curso, assim como aquela de um campo de “decisores” bem unificado. Em vários dossiês, os atores que sustentam a crítica e os atores do protesto não são sempre os mesmos, suas alianças e suas coalizões, seus apoios e suas preensões coletivas variam no curso dos acontecimentos. Sob a noção de controvérsia, não lidamos com espaços planos sobre os quais se projetariam simplesmente jogos de atores e argumentos, mas com processos não lineares feitos de deslocamentos e retornos. Descrevendo, no mesmo movimento, a evolução de dispositivos de expressão pública e as formas de vida existentes em interação, a orientação pragmática assume uma abordagem realista centrada nas preensões realizadas nas atividades situadas. Não é uma opção das mais discutíveis quando se impõe a referência a problemas globais e se desenvolve a mise en scène do antropoceno? É precisamente um dos desafios do pragmatismo sociológico e das relações que ele pode fazer frutificar com a história: sair dos impasses engendrados pela manipulação contínua de enteléquias sem rosto, apoiando-se nas múltiplas maneiras pelas quais as pessoas e os grupos elaboram suas preensões sobre os fenômenos e organizam a divisão de experiências, mais ou menos aparamentadas e dotadas de ferramentas. Olhando o que, no curso das repetidas provas, nutre a percepção comum da realidade, a investigação torna visível a produção das faculdades de adaptação, invenção e deslocamento, sem os quais as profecias do fim da história rapidamente retomam o poder.
Depois da oposição entre empirismo e intelectualismo que por muito tempo marcou as disputas entre filosofia e ciências sociais, o período que se abre nos coloca diante de um novo risco de ruptura epistêmica: de um lado, um processo de fragmentação descritivo e analítico (acumulação de estudos de caso e de grades de análise ad hoc que não se comunicam entre si) e, de outro, um movimento de retotalização ou de integração teórica ou metateórica que visa à recolocação em ordem do que Jean-Michel Berthelot (1992) chamava de “esquemas de inteligibilidade” do social, próprio para sustentar novas doutrinas. Assumir a bandeira do pragmatismo, é recusar esse duplo obstáculo, permitindo o enriquecimento contínuo e colaborativo das análises de pesquisa realizadas em contato com todos os tipos de dispositivos e ambientes. Não se trata, então, de propor uma nova visão projetiva do que ocorre no mundo, pensado em sua incompreensível totalidade, que parece com o que Timothy Morton (2013) designou pela expressão de “hiper-objeto”, mas de contribuir para a produção de conceitos e ferramentas com os quais os próprios atores elaboram, pouco a pouco, a variação e o senso prático. Como mostrou a experiência dos lançadores de alerta, conceito nascido no coração da sociologia pragmática ou, mais recentemente, da reorientação da sociologia dos futuros, aproximando pragmatismo e a antropologia prospectiva de Gaston Berger (Cazes, 2009), a atenção às dinâmicas de mundos sociais leva em conta os efeitos de conceitos e ferramentas forjados pela sociologia. E, da perspectiva dos desafios permanentes de reescritura do passado, não pode ser diferente para a história. O que corresponde em todos os pontos à famosa máxima de Peirce (1986, p. 365): “Considerar quais são os efeitos práticos que pensamos poder ter produzido pelo objeto de nossa concepção. A concepção de todos esses efeitos é a concepção completa do objeto”.
Notas
[1] Entrevista com a Agência Sanitária Ambiental (Anses, do francês Agence nationale de sécurité sanitaire de l’alimentation, de l’environnement et du travail) no outono de 2014.
[2] O debate público sobre o projeto de aterramento de rejeitos radioativos organizado em 2013 pela Comissão Nacional do Debate Público foi literalmente impedido por seus opositores que, como no debate sobre as nanotecnologias em 2010, perturbaram o seu funcionamento. Para dar uma legitimidade ao processo de consulta, uma conferência de cidadãos foi organizada no início de 2014. O painel de cidadãos sorteado deslocou o enquadramento inicial definido por Andra, o defensor oficial do projeto Cigeo, nome do futuro lugar do aterramento dos rejeitos. Ao longo das audições de especialistas e contra-especialistas, os cidadãos reinterrogaram os esperados, e os subentendidos, do projeto ao convidarem, em suas recomendações, a uma revisão das etapas do processo de aterramento com a realização de um “piloto”, permitindo estabelecer a sua feitura e a confiabilidade do projeto tecnológico para além dos ensinos do laboratório de Bure.
[3] A “crise da alterglobalização” inspirou uma crítica feroz do funcionamento em “matilhas desordenadas”, incapazes de “tomar o poder”, critica realizada claramente por Alex Williams e Nick Srnicek em seu “Manifesto aceleracionista” (2013).
[4] Se o “sistema” aparece em uma prosa radical como a do Comitê invisível em L’insurrection qui vient (2007), as enteléquias que operam no texto são mais “pós-modernas”: “metrópole”, “tecnologias”, “informações”, “redes”, “fluxo”… Tolhidos pelo controle dos fluxos, as redes e os ambientes não são mais suportes de resistência, e tornam-se alvos prioritários da crítica e da ação radical. No novo opúsculo intitulado À nos amis (2014), depois da constatação do fracasso de múltiplas insurreições contemporâneas, é o uso pelo Capital da “gestão de crise como técnica de governo” que é visado, fórmula que não deixa de lembrar a análise neofoucaultiana da sociedade do risco.
[5] É o caso, por exemplo, em torno do famoso Tratado transatlântico (Tafta), contra o qual se mobilizam múltiplas ONGs e movimentos políticos, que se esforçam de colocá-lo no cerne das arenas públicas e de evitar as transações silenciosas no núcleo dos comitês de especialistas, tornados invisíveis pela lógica procedural europeia.
[6] “Singularidades, isso há de todos os tipos, sempre vindas de fora; singularidades de poder, tomadas nas relações de força; singularidades de resistência que preparam as mutações; e mesmo singularidades selvagens, que permanecem suspensas de fora, sem entrar em relações nem se deixar integrar… (aí apenas o ‘selvagem’ ganha um sentido, não como uma experiência, mas como o que ainda não entrou na experiência)”. Gilles Deleuze, “Les plissements de la pensée” (1986, p. 125).
[7] Roberto Frega propõe distinguir os efeitos e as consequências. Segundo ele, a referência aos efeitos remete a uma forma de utilitarismo prático de curto alcance enquanto a ideia de consequência está ligada a um longo alcance, engajando mais diretamente uma dimensão normativa ou axiológica. A diferença entre os dois termos sobrepõe-se a uma pragmática no sentido linguístico, a dos atos de linguagem, e uma pragmática de longo alcance – conceito que permite precisamente pensar consequências longínquas, hora da única situação de fala ou de ação.
[8] Pode-se notar a contribuição inesperada à valorização da investigação coletiva da parte de Dan Sperber e Mugo Mercier que, a partir de uma crítica do modelo da psicologia cognitiva, descobriram as virtudes da argumentação coletiva: “We agree that reasoning outside the laboratory needs to be investigated more thoroughly and hope taht focus on argumentation and reasoning in interaction can help push in this direction. Finally, other mechanisms besides reasoning might benefit from being seen as having a social function. Ours is a contribution to the growing body of research showing how, and how much, the human mind is a social mind” (Mercier e Sperber, 2011, p. 101).
[9] Ver a discussão da “agência” (agency) feita por Fanny Gallot (2016).
[10] Ver sobre esse ponto o volume de “Raisons Pratiques” coordenado por Christiane Chauviré e Albert Ogien, La regularité. Habitude, disposition et savoir-faire dans l’explication de l’action (2002).
[11] A figura do ricochete é mais discreta e mais estética. Convém citar aqui um dos mestres da balística, Lazzaro Spallanzani, bem conhecido pelos historiadores das ciências. Autor de experimentações inéditas no fim do século XVIII, notadamente sobre rãs, ele escreveu um tratado do ricochete cuja tradução francesa foi feita bem tardiamente (Spallanzani, 2012).
[12] Para uma análise dos efeitos das mobilizações sobre as práticas, e vice-versa, no caso das “Sementes camponesas”, ver Demeulanaere (2013).
[13] Segundo a expressão inscrita nos textos oficiais da convenção de Aarhus que, na Europa, é um dos grandes operadores da aceitabilidade pela informação e participação do público.
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