
Por James Laidlaw
Tradução de Bruno Reinhardt
Laidlaw, James. 2002. “For an Anthropology of Ethics and Freedom.” The Journal of the Royal Anthropological Institute 8(2): 311-32.
Resumo: Não pode haver uma antropologia da ética desenvolvida e sustentada sem que haja também um interesse etnográfico e teórico – até agora em grande parte ausente na antropologia – pela liberdade. Uma forma possível de estudar a ética e a liberdade de forma comparativa e etnográfica é sugerida e ilustrada usando alguns breves comentários sobre o jainismo.
O argumento que apresento aqui se parte da observação de que, apesar do interesse demonstrando por alguns dos maiores antropólogos sobre este tema, nossa disciplina não desenvolveu um corpo de reflexão teórica sobre a natureza da ética. Suponho que esta seja uma deficiência e que, portanto, seria um avanço se ela pudesse ser corrigida. E minha afirmação será que, para que isso seja feito, precisaremos de uma maneira de descrever as possibilidades da liberdade humana: de descrever como a liberdade é exercida em diferentes contextos sociais e tradições culturais. Entretanto, a liberdade é um conceito sobre o qual a antropologia tem tido muito pouco a dizer. Malinowski foi uma honrosa exceção aqui – tanto em sua insistência, em Crime e Costume (1926), que o trobriandês em particular e o “selvagem” em geral não é um escravo impensado dos costumes, mas um agente livre exercendo seu próprio julgamento e escolha; e também em seu livro póstuma, Freedom and Civilisation (1947), onde ele considera as condições sociais da liberdade política. Como Ernest Gellner observou (1998: 141), o caso de Malinowski ilustra que é possível ser um crente na liberdade – em sua existência e em seu valor – sem necessariamente subscrever uma ontologia social atomística e negar a importância do social ou cultural para o florescimento humano.
Eu disse que não existe uma antropologia da ética, e estou ciente de que vista sob uma certa luz, isto pode parecer controverso. O que quero dizer é que não existe um campo sustentado de investigação e debate. Não existe uma história conectada que possamos contar a nós mesmos sobre o estudo da moralidade na antropologia, como fazemos para uma série de tópicos como parentesco, economia, estado ou corpo. Não existe uma história, em suma, que inclua um debate sustentado sobre problemas interpretativos específicos, ou conceitos distintos construída por autores ou pesquisadores particulares, ou que reflita mudanças na orientação teórica geral, enquanto um “ismo” dá lugar ao próximo. Não há equivalentes da teoria de descendência e teoria de aliança, nenhum formalismo e substantivismo, nenhum instrumentalismo e primordialismo, nenhum simbolismo e abordagens fenomenológicas.
É também impressionante que nenhum diálogo sério se tenha desenvolvido com a filosofia moral[i]. Ali, como no debate público mais geral, a forma usual de nossa disciplina aparecer na discussão é quando alguém cita, como sendo o que “os antropólogos dizem”, a posição basicamente incoerente de que os fatos da variação cultural dão “apoio empírico” ao relativismo moral[ii]. Menos freqüentemente, mas talvez cada vez mais, estudos sobre a cooperação entre caçadores-coletores e reciprocidade são citados por teóricos utilitários da libertação animal, para ajudar a preencher a lacuna entre o ser humano e outras espécies[iii]. Provavelmente a maioria dos antropólogos não está inteiramente à vontade com qualquer uma destas representações, mas na ausência de argumentos sustentados dentro da disciplina temos mais direito a lamentar do que a reclamar.
Esta infeliz situação persiste apesar de ter havido inquestionavelmente algumas discussões individuais brilhantes sobre a moralidade por parte de antropólogos. Algumas das maiores etnografias são dominadas pela explicação de conceitos e raciocínios morais e vários antropólogos reconheceram que uma reflexão teórica sustentada sobre a ética enriqueceria a disciplina[iv]. E depois, é claro, existe Durkheim.
Como é bem conhecido, o trabalho tardio de Durkheim anunciou a ambição de subsumir o que tinha sido a filosofia moral em uma ciência empiricamente fundamentada de ‘fatos morais’. De fato, dada a medida em que Durkheim estabeleceu a agenda intelectual da antropologia do século XX, pode parecer à primeira vista surpreendente que uma antropologia da moralidade não esteja no centro da disciplina (e no centro de cada curso de graduação). Durkheim, afinal, entendeu que a sociedade se baseava na obrigação moral, e de fato a definiu como sendo um sistema de fatos morais.
Mas isto, eu quero sugerir, é parte do problema. A concepção de Durkheim do social identifica tão completamente o coletivo com o bem que uma compreensão independente da ética não parece nem necessária nem possível. Não há espaço conceitual para isso. Sua subseqüente influência sobre os antropólogos e outros se desvaneceu, e em alguns aspectos é injusto destacar Durkheim em uma visada crítica. Ele não inventou a concepção coletivista da sociedade (embora ele continue sendo um de seus expoentes mais eloqüentes). Mas só porque ele dedicou tanta atenção explícita à moralidade, e parece à primeira vista ter conseguido sua integração no estudo da sociedade, seus escritos revelam as conseqüências incapacitantes de identificar o social com a moral como ele o fez. O ‘social’ de Durkheim é, efetivamente, a noção de Immanuel Kant sobre a lei moral, com a mudança importantíssima que o conceito de liberdade humana, que era, obviamente, central para Kant, foi claramente excluída dela. As perguntas que então são feitas são aquelas que são apropriadas para estes outros conceitos. Se estas são as regras, como e por quem elas são formuladas? Como elas são reforçadas e transmitidas através do tempo, e como e por quem são desafiadas? Quem pode dizer o que conta como uma violação delas? E assim por diante. Nesta situação, o conceito de moral significa tudo e nada. Não faz nenhum trabalho conceitual distinto e, portanto, não é surpreendente que, apesar das tentativas ocasionais de despertar algum interesse por ele, ele continue a ficar fora de foco e desaparecer[vi].
Para explicar o que eu acho que é o remédio, eu preciso ampliar minha acusação condensada de Durkheim – a alegação de que o que ele nos deixou é Kant com a liberdade tirada.
Em seu ensaio “A determinação dos fatos morais” e em outros lugares, Durkheim desenvolveu explícita e conscientemente sua definição e discussão da moralidade em paralelo com os argumentos de Kant, a fim de trazer à tona o fato de que ele estava explicando a mesma coisa, em termos diferentes (1953: 35-62). Onde Kant provê um argumento prescritivo e a priori, seu próprio argumento seria, Durkheim alega, descritivo e empírico (1953: 36, 43; 1933: 411-35)[vii]. Kant, afirma Durkheim, estava correto ao destacar que ao falar da moral estamos falando de um certo tipo de regra; o problema é explicar por que tais regras recebem sanção e obrigam a obediência da maneira como fazem (1933: 424-7; 1953: 35-6; 1957: 1-3). Onde Kant tenta mostrar que a lei moral nos obriga por ser comandada por uma razão prática e, portanto, que ela se aplica a todos os seres racionais como tal (1996a: 62), a explicação de Durkheim é que as regras morais derivam da sociedade. É porque a sociedade é “um ser moral qualitativamente diferente dos indivíduos que ela compreende e da agregação da qual ela deriva” (1953: 51), que ela é a fonte da “melhor parte” do indivíduo (1915: 388). Portanto, sentimos que ela é uma autoridade sobre nós (1953: 36-7, 54- 9; 1957: 73).
Nas formas elementares, Durkheim ecoa novamente a linguagem de Kant na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e em outros lugares, mas dá um significado distintivamente diferente às palavras quando ele explica o poder da sociedade sobre o indivíduo como fundamentado no ‘respeito’. “Um objeto … inspira respeito quando a representação que o expressa na mente é dotada de uma força tal que automaticamente causa ou inibe ações” (1915: 237-8). O respeito inspirado em nós pela sociedade “é naturalmente estendido a tudo o que vem dela”. Portanto, em razão de sua origem na sociedade, “suas regras de conduta imperativas” são investidas de autoridade e dignidade (1915: 298).
Durkheim observa que, como fonte para sua lei moral, Kant achou necessário postular Deus (1953: 51), e esta é de fato uma posição que Kant apresenta na Crítica da Razão Prática (embora esteja ausente de seus escritos posteriores: ver 1996c [1793]). Durkheim, é claro, tinha mostrado, para sua própria satisfação, que “Deus” é meramente “a sociedade transfigurada e simbolicamente expressa” (1953: 52). Da mesma forma, ele acreditava ter mostrado que as categorias da razão de Kant eram produtos sociais variáveis (1915), de modo que ele podia considerar a dependência de Kant da razão como a base da moralidade como “um ato irracional de fé e submissão” (1973: 47). A teoria de Durkheim, portanto, explicou porque Kant confundiu razão e Deus como fonte da moralidade, assim como apontou diretamente para o que ele acreditava ser a verdadeira fonte.
Ao ilustrar, a sua maneira, como a moral derivava diretamente das coletividades sociais, Durkheim distinguiu diferentes sistemas éticos pelo tamanho e caráter dos grupos dos quais eles derivavam (1953: 56-7; 1957: 3-8). “Em geral, sendo todas as outras coisas iguais, quanto maior a força da estrutura do grupo, mais numerosas são as regras morais apropriadas a ele e maior a autoridade que têm sobre seus membros” (1957: 7). A moral sexual e interpessoal dependia dos grupos familiares (1957: 25-7). O Estado era o “órgão de disciplina moral” da nação (1957: 72) e, portanto, a fonte e garantia da ética que governa a vida cívica, e dos direitos desfrutados pelos indivíduos (1957: 42-109, ver também 1933: 173; 1953: 58-9). As profissões de sua época (médicos, advogados, acadêmicos como ele, etc.) eram organizadas, observou Durkheim, em fortes órgãos profissionais, mas observou com desaprovação que o mundo da manufatura, dos negócios e das finanças não possuía tais organizações (1957: 28-30). E ele afirmou, sem sentir a necessidade de maior evidência, já que isto lhe parecia óbvio, que estes campos eram, portanto, um caos não regulamentado, um cenário de “doença” social, desmoralização e, portanto, um colapso iminente (1957: 9-13)[viii].
Outras diferenças com relação a Kant decorrem da equação de Durkheim da moral com a sociedade. Para Kant, a questão de seguir ou não os ditames da lei moral era uma questão de livre exercício da nossa vontade. É por isso que ele começa a Fundamentação declarando que o assunto da ética são “as leis da liberdade” (1996a: 43). Para Durkheim, por outro lado, a questão de saber se obedecemos aos ditames das coletividades sociais era uma questão de quão bem organizadas e integradas essas coletividades estariam, e de quão bem socializados estamos nelas (1957: 14-15). Portanto, o que em Kant é um problema de grande dificuldade teórica e importância – qual é a relação entre o homem como parte do mundo natural, sujeito a causa e efeito, e o homem como um ser livre e racional, movido por razões – não é problema algum para Durkheim.
Para Kant, somente os atos livres de um agente racional poderiam ser morais e, portanto, a idéia de uma ação política destinada a fazer as pessoas ou comunidades se comportarem moralmente era uma perigosa contradição, destinada a levar à tirania (1996c). Durkheim, ao contrário, seguiu Rousseau ao considerar a condição moral da sociedade como um objetivo legítimo da política estatal, e viu o papel do sociólogo – apresentado com casos em que as pessoas fracassavam em seguir adequadamente os códigos éticos – como aquele de propor reformas para a reengenharia do sistema (1953: 38, 59- 62; 1957: 31, 37-41; ver também 1933: 33). Sua confiança em suas posturas de reforma repousava em uma concepção francamente mecânica da relação entre estrutura de grupo e ética. Agora, uma vez formado o grupo, nada pode impedir uma vida moral apropriada de evoluir, uma vida que carregue a marca das condições especiais que o levaram à existência” (1957: 23-4). As pessoas, nesta visão, podem ser levadas a se comportar de uma forma ou de outra, colocando-as em arranjos sociais apropriados, e as regras éticas são parte integrante deste sistema causal mais amplo.
Durkheim viu como uma vantagem de sua própria visão sobre a de Kant o fato de poder explicar não só porque as regras morais são sentidas como obrigatórias, mas também porque segui-las parece uma coisa atraente. Como produtos da sociedade, não apenas sentimos que devemos, mas também queremos seguir seus ditames (1953: 36-7, 44-7). Assim, o que para Kant era um enigma que estava no centro de sua teoria moral – qual é a natureza da liberdade humana e da vontade moral – é inteiramente afastado por Durkheim. Muito logicamente, Durkheim também escreveu às vezes como se a liberdade fosse também uma questão prática insignificante. Seu remédio favorito para a suposta ausência de ética na vida comercial foi a criação de um sistema abrangente de guildas modernas (1957: 28-41, 105-9; ver também 1951: 379-84). Ele faz uma pausa em um ponto de sua discussão para perguntar se, uma vez que esta é uma proposta prática real, a participação como membro deveria ser compulsória. O fato chocante não é tanto que sua resposta seja um claro “sim”; é que ele a considera como uma pergunta “apenas de interesse limitado”. Uma vez constituída, “uma força coletiva atrai para sua órbita aqueles que não estão vinculados” (1957: 39). Se o sistema for bem projetado, então, como eles são membros das coletividades às quais se referem, as pessoas necessariamente quererão aderir. O obrigatório se tornará necessariamente o desejável e as pessoas agirão de acordo.
Espero que se concorde que, independentemente dos méritos da ética de Kant (e voltarei brevemente ao motivo pelo qual ele não foi o melhor ponto de partida a ser escolhido), esta visão da vida humana, que simplesmente carece de complexidade ética, dilema, racionalização, decisão e dúvida, não constitui um avanço. Não é apenas que este tipo de sociologia seja uma carta para o corporativismo autoritário, embora isso também seja verdade. O ponto relevante é que é impossível, se esta é sua visão da vida humana, ver como considerações éticas específicas podem ser distinguidas dos outros fatores causais que fazem com que os pedaços do sistema – as pessoas – funcionem como funcionam.
Quero, portanto, argumentar que uma antropologia da ética só será possível – só será impedida de cair constantemente em questões gerais de regularidade social e controle social – se levarmos a sério, como algo que requer uma descrição etnográfica, as possibilidades da liberdade humana.
Por que o conceito de “agência” não serve a esse propósito? É necessário abordar brevemente esta questão porque este conceito é tão rotineiramente citado hoje em dia como se fosse a solução obrigatória para quase todos os problemas, com virtudes evidentes que são morais e políticas, bem como teóricas. O problema com isso, é claro, é que a descrição exaustiva pode facilmente dar lugar à ilusão de desejos realizados: é uma tentação de descrever o mundo como gostaríamos que ele fosse, e não como ele é. Em todo caso, mesmo que se aceite que a agência é uma coisa boa, e vale a pena descrever, onde ela está presente, ela não é a única coisa boa, e não é a mesma coisa boa que é a liberdade.
O que o conceito de agência, como se popularizou em antropologia, seleciona como foco é a questão da eficácia da ação – especificamente sua efetividade na produção, reprodução ou mudança das estruturas dentro das quais as pessoas atuam. A agência é, portanto, um meio de identificação cujos atos são, em vários graus, estruturalmente ou transformativamente importantes, ou poderosos. Na medida em que falar de agência levanta a questão de saber se as escolhas das pessoas são genuinamente suas – o que aponta para questões de liberdade – ela o faz de uma forma que é necessária e sistematicamente confundida com a questão da capacidade ou poder que suas escolhas têm em termos causais. Isto significa que, como um índice de liberdade, o conceito de agência é seletivo. Somente as ações que contribuem para o que o analista vê como estruturalmente significativo, contam como instâncias de agência. Colocando de forma mais grosseira, só as marcamos como agência quando as escolhas das pessoas nos parecem ser as escolhas certas.
Portanto, quero insistir que há um trabalho conceitual importante que a “agência” não pode fazer e, portanto, resta tentar mostrar como os conceitos de ética e liberdade podem enriquecer a compreensão antropológica da conduta humana. Vou procurar por ajuda, ao fazer isto, em dois autores talvez inicialmente surpreendentes, a saber, Nietzsche e Foucault. Ambos os autores têm estado na moda recentemente, embora apenas o último em antropologia, e ele por razões diferentes daquelas que me interessam aqui. Também vou me basear, talvez menos surpreendentemente, nos escritos do filósofo moral Bernard Williams.
Nietzsche[ix] pode parecer uma escolha surpreendente, porque além de sua declaração (“louca”) da morte de Deus (GS: 125, 343), a coisa pela qual ele talvez seja mais celebrado é declarar-se um imoralista (BGE: 23, 32, 226). No entanto, isto não significa que ele rejeita todas as formas de avaliar a conduta humana como mais ou menos admirável. Pelo contrário, sua preocupação é avaliar criticamente o valor dos valores que pensamos como moralidade (OGM: 1,6). O que ele faz é identificar, e tentar explicar, o que distingue a moral de outros valores não morais, alegando que houve no passado e poderia haver no futuro outros sistemas de valores além da “moralidade”[x].
Apesar de serem uma característica universal e recorrente da história humana, os valores morais auto-denegáveis exigiam uma explicação para Nietzsche porque ele os considerava, num sentido óbvio, antinatural[xi]. Não é necessário compartilhar sua avaliação (para Nietzsche era óbvio que aquilo que é contrário à “vida” é para ser deplorado) para ver que ele estava fazendo um ponto muito importante. Que as pessoas poderiam realmente desejar e esforçar-se para ser mansas, humildes, pobres de espírito, castas e impassíveis à paixão sexual, indiferentes ao prazer, acolhedoras da dor e das privações, e agirem de forma a minar sua própria força ou sobrevivência: tudo isso é certamente extraordinário. Isso demanda ser explicado. Aquelas tradições de pensamento que conseguiram, na medida em que conseguiram, fazer com que alguns de nós pensássemos desta maneira, conseguiram algo muito considerável. É certo – mesmo, mais uma vez, que não aceitemos sua avaliação – que Nietzsche considera estes valores como negativos, em um sentido importante. As pessoas que se apropriam deles podem vir a ver a vida de forma negativa. Elas podem vir a ver sua própria vida como, na melhor das hipóteses, uma preparação para a morte, e a ver tudo o que é verdadeiramente excelente – pureza e perfeição reais – como possível apenas com a morte. E mesmo onde não resulta em reações tão extremas, estes conceitos de bem e mal fazem parte da base do que tomamos como certo sobre a moralidade – que parece natural, por exemplo, ver a moral como tipicamente oposta à conveniência ou praticidade.
Williams, em termos que são influenciados por Nietzsche, sugere que distingamos a ética, que é qualquer forma de responder à pergunta socrática “Como se deve viver?”, da moralidade, que é um certo tipo de resposta a essa pergunta, que, embora tenha passado a desempenhar um papel importante na vida ética do Ocidente moderno, é, no entanto, em termos históricos e comparativos mais amplos, uma “instituição peculiar” (1985: 174-96). Onde Nietzsche caracteriza a moralidade principalmente em termos dos valores que defende, Williams aborda a questão apontando as características formais que a distinguem dos sistemas éticos. O traço distintivo da moralidade, para Williams, é que o julgamento se dá apenas em termos de obrigações – um conjunto específico das chamadas obrigações morais – e estas só podem ser compensadas por outras obrigações deste tipo. Todas as considerações éticas tendem, portanto, a ser formuladas em formas moralizadas de linguagem jurídica – regras, direitos, deveres, ordens e culpa. O pensamento moral, portanto, é uma questão de ponderar as obrigações e decidir onde está o dever, e o julgamento moral repousa sobre a escolha de agir de acordo com esse dever, quaisquer que sejam os desejos ou inclinações de cada um. Estes traços distintos do “sistema moral” são encontrados em grande parte de nossa vida social e política, mas eles não esgotam a forma como realmente fazemos escolhas éticas. Nossas vidas estariam muito empobrecidas, e em maior confusão ainda, se o fizessem (Williams 1981; 1995). Elas também são encontradas nos escritos de muitos pensadores, mas são articuladas de forma mais abrangente e influente por Kant. Assim, nesta visão, Durkheim, ao tomar Kant como seu ponto de partida, já estava começando a partir de uma concepção peculiarmente estreita da vida ética. Seguindo tanto Nietzsche quanto Williams (embora seus usos não sejam idênticos), reservarei o termo “moralidade” de agora em diante para sistemas éticos onde valores autodenegados [self-denying] informam obrigações-semelhantes-a-leis.
Como Nietzsche narra, o surgimento da moralidade é um processo complexo. Um ponto crucial é descrito no primeiro ensaio da Genealogia da Moral, onde Nietzsche explora como a idéia do bem especificamente moral poderia ter se desenvolvido a partir de uma idéia não moral diferente do bem: uma idéia que se opunha não ao mal, mas ao simplesmente inadequado, baixo ou ruim. Nas sociedades pré-morais (paradigmaticamente heróicas da Grécia), como Nietzsche as imagina, a palavra “bom” transmitia o sentimento de superioridade natural desfrutado pelos membros da elite. O uso do termo “bom” para descrever atributos psicológicos e outros atributos de uma pessoa desenvolvidos a partir deste significado sócio-político original. Era um juízo de valor, mas ainda não um juízo moral. Possuir boas qualidades, neste significado de bem, é sua própria sorte. Ser alto, forte, rico, belo ou assertivo não é pensado como recompensa por algum outro mérito pré-existente, nem estas qualidades exigem uma recompensa ou um elogio adicional. Não faria sentido dizer que se tem o dever de ser assim. De forma correspondente, as pessoas mais fracas e de status inferior, possuindo qualidades ruins (fraqueza, pobreza, fealdade, timidez, etc.), não eram “culpadas” por tê-las. O fato de possuí-las tornou estas pessoas menos impressionantes e eficazes, em suma, menos boas pessoas, mas não havia idéia de que se tratava de falhas que elas tinham a obrigação de não ter, ou pelas quais deveriam se sentir culpadas ou merecedoras de punição.
O relato de Nietzsche sobre como a moral surgiu toma a forma, é claro, de uma história quase mitológica. Ele a chama de uma genealogia, porque é uma história de acoplamentos: de como em diferentes pontos do tempo elementos diferentes e não relacionados se uniam, e como sua combinação produzia cada vez algo novo. Assim, a moralidade, produto eventual desta série de uniões, tem muitos antepassados. Uma grande parte do ponto para Nietzsche ao contar a história desta maneira é ajudá-lo a insistir que tal sistema de valores não é inevitável, e que assim como foi produzido a partir da mudança, também pode dar lugar a algo novo. Mas embora seja uma narrativa, o relato de Nietzsche obviamente não é, em um sentido direto, uma história. Ele dificilmente começa a prender os vários estágios de sua genealogia a eventos históricos reais. É algo que aconteceu “nos últimos dez mil anos” (BGE: 32), em batalhas travadas e rebatidas, com reviravoltas ocasionais, e com diferentes idéias e desenvolvimentos ocorrendo em diferentes momentos em diferentes lugares.
Assim, embora o próprio Nietzsche estivesse preocupado mais diretamente com o judaísmo e o cristianismo, seu projeto e as formas pelas quais ele o realizou têm uma aplicação mais geral. Isto é algo do qual ele estava ciente, pois suas referências freqüentes ao hinduísmo bramânico e ao budismo deixam claro[xiv]. Ele procurou ilustrar a contingência e a especificidade não tanto da moral cristã, mas dos valores ascéticos “morais” que passaram a dominar o Cristianismo. E na medida em que algo comparável é verdadeiro para muitas outras tradições religiosas e outros contextos culturais, então seu problema e sua abordagem também são aplicáveis a eles. Afinal de contas, Nietzsche estava fortemente consciente de que a moralidade contra a qual ele se colocava não dependia da crença cristã (OGM: 3,27). Deus está morto e os europeus continuam reafirmando a moralidade cristã (ninguém mais do que os supostos socialistas seculares). Isso só pode ser assim porque se esqueceram que podem existir outros ideais e valores pelos quais viver. Daí a necessidade retórica de sua pretensão de que a Genealogia é um ataque à moralidade como tal: estes valores foram tão bem sucedidos que pensamos que a moral ascética ou “escrava” é o único tipo de valores éticos que existem (ver também BGE: 202, 263). Na medida em que o propósito de Nietzsche, então, era nos libertar intelectualmente do paroquialismo que equiparava um tipo particular de sistema de valores com a ética como tal, seu pensamento é um ponto de partida inteiramente apropriado para uma abordagem antropológica.
A maneira mais útil de interpretar a genealogia de Nietzsche é, portanto, a de estabelecer para nós o problema de entender o que há de distinto nos valores ascéticos, como os encontramos em tantas tradições culturais. Qual é a relação entre a adoção ativa dos sistemas de valores de auto-negação que chamamos moralidade e os outros valores éticos com os quais eles sempre coexistem? Quero considerar como estas perguntas podem ser respondidas quando aplicadas ao caso do Jainismo.
O jainismo, muito brevemente, é um primo de primeiro grau do budismo – como ele, uma religião que surgiu no norte da Índia nos séculos V e IV a.C. Um pequeno número de celibatários e mendicantes renunciantes praticam uma vida rigorosa de asceticismo, superada por um número maior de famílias leigas. Os jainistas leigos são castas relativamente altas e, em sua maioria, engajados em algum tipo de comércio ou negócio – nas aldeias médias em muitas partes da Índia rural, é bastante provável que o lojista-credor da aldeia seja um jainista. Mas a maioria dos jainistas vive em cidades, e a maioria deles faz parte das classes médias-altas de sucesso, e não se distinguem facilmente em termos de estilo de vida de famílias igualmente prósperas entre seus vizinhos hindus.
Em termos de teologia, sua religião não poderia ser mais diferente do cristianismo. Não existe um Deus criador – de fato, o mundo não foi criado de forma alguma, mas existiu desde os tempos sem início. As figuras humanas que são cultuadas nos templos de Jain – são convencionalmente vinte e quatro e são chamadas de Jinas (Conquistadores) ou Tirthankars (atravessadores de rios), e tratadas como Bhagwan (Senhor/Deus) – todas viveram muitas vidas anteriores como seres humanos, mas também como animais e até mesmo como insetos e plantas. Finalmente, cada um nasceu como um ser humano notável, destinado a descobrir, através de seu próprio esforço, o rigoroso caminho da ascese, do jejum e da meditação que levaria à iluminação, e destinado então a alcançar completa omnisciência e perfeição[xvi]. O centro desta conquista é a prática da não-violência, que é imensamente exigente porque os seres vivos, cada um possuindo uma alma imortal que nascerá de novo em outro corpo diferente, incluem não apenas animais e plantas, mas inúmeras criaturas minúsculas que vivem, por exemplo, na água e no ar.
Estátuas nos templos Jain mostram estes vinte e quatro exemplares como eram durante o tempo em que ensinavam as verdades eternas do jainismo a seus seguidores, uma vez que eles próprios haviam atingido a onisciência. Eles são indistinguíveis uns dos outros: figuras masculinas idênticas, austeramente perfeitas em uma de duas posturas meditativas (sentados de pernas cruzadas com as palmas das mãos voltadas para cima no colo, ou de pé com os braços erguidos dos lados). Seu triunfo vem após isso e somente com a morte, quando suas almas, libertas para sempre do ônus poluente da vida encarnada, flutuam até o cume do universo, para existir para sempre em tranqüilidade onisciente. A perfeição e pureza destas almas liberadas é transmitida pelo fato de serem representadas ou simplesmente como um ponto, ou como o esboço de uma figura humana, sem nenhuma substância real dentro[xvii].
Até que ponto o relato de Nietzsche sobre a genealogia da moralidade – da relação entre moralidade e outros valores éticos – se aplica ao caso dos Jains? Escrevi em outro lugar sobre como os seguidores leigos desta religião – as pessoas que na verdade não abrem mão de todos os seus bens materiais, abandonam suas famílias e levam uma vida de vagabundagem descalça na emulação destes exemplos ascéticos – combinam uma participação parcial neste forte exemplo de ascese autodenegante com a adesão também a valores bastante diferentes, na busca de riqueza, prestígio, realização pessoal, fecundidade e assim por diante. Vivendo à luz de valores tão fortemente conflitantes, as comunidades jainistas desenvolveram práticas religiosas que podem fazê-las parecer compatíveis, mas os indivíduos ainda têm que fazer escolhas[xviii]. O ascetismo prescrito no ensino religioso Jain é claramente uma poderosa influência na vida cotidiana. Mas somente em grau limitado ela se faz sentir através de regras morais. Em sua maioria, ao invés disso, as pessoas se colocam voluntariamente sob obrigações ascéticas, fazendo votos temporários, embora também possam fazê-lo permanentemente. Temos aqui uma versão da situação problemática geral com a qual Nietzsche está preocupado. Até que ponto, então, seu relato sobre a gênese da moral ascética ilumina o caso Jain?
Nietzsche frequentemente se refere à transvalorização de valores que dão origem à moralidade como a “revolta dos escravos”. A expressão é um tanto enganosa, pois ele não está imaginando uma revolta violenta, mas o processo pelo qual todos, inclusive os nobres das sociedades heróicas pré-morais, passam a subscrever a valores defendidos e promovidos inicialmente pelos mais baixos da sociedade. A fonte da criatividade que torna isso possível está no poderoso ressentimento articulado para eles por seus sacerdotes[xix]. O ressentimento ‘torna-se criativo’ e dá origem a novos valores (OGM: 1,10). Em lugar do desprezo despreocupado e até piedoso dos nobres por seus inferiores, os escravos consideravam seus superiores como inimigos perigosos. Assim nasceu o conceito do mal. O que tinha sido bom agora era “retocado, re-interpretado e reexaminado através do olho venenoso do ressentimento” (OGM: 1.11, ver também 3.14). Eles eram vistos não apenas sob uma luz negativa, mas como a expressão malévola de uma agência invisível. Assim, onde força, vitalidade e formidabilidade tinham sido expressões naturais inseparáveis de força, agora são vistas, como se a força tivesse a opção de não ser forte, como “agressão”. A fraqueza agora se torna, no novo sentido moral, boa.
Como isto pôde acontecer? Algo já tinha que estar no lugar e este algo – a culpa – é o tema do segundo ensaio da Genealogia. A culpa é a emoção que impulsiona a autodeterminação ascética e Nietzsche sugere que sua origem está na noção diferente, não- ou pré-moral de dívida (OGM: 2,4). Dívida – a idéia de que em troca de um dano que lhe causo, você tem o direito de extrair de mim uma quantidade igual de dor, custo ou dano – depende de noções de equivalência, de substituibilidade de diferentes bens e males, de justiça e punição merecida. A culpa é diferente, porque em lugar da noção de equivalência aritmética, ela substitui um tipo de dívida que nunca é totalmente quantificável e, portanto, não é totalmente pagável. A culpa não pode ser eliminada simplesmente pelo pagamento. Em vez disso, ela deixa um resíduo de “dor interior” (OGM: 2,14) que é essencial à moralidade, e que Nietzsche chama de “má consciência” – a sensação persistente de culpa intrínseca e indignidade[xx].
O que transforma a dívida em culpa? A resposta de Nietzsche, que eu acho que é apenas parcial, é para um antropólogo bastante interessante. Ele a desenvolve a partir da idéia de que a relação entre cada indivíduo e o grupo ou sociedade da qual ele faz parte pode ser imaginada como uma relação de endividamento – uma pessoa está endividada pela proteção proporcionada pela existência do grupo (OGM: 2,9). Antecipando a idéia de Durkheim de que os deuses são representações da sociedade, Nietzsche observa que estas dívidas são pagas como ofertas às divindades (OGM: 2,19). Mas e se o deus é tal que a dívida de uma pessoa nunca pode ser saldada? E se a divindade for concebida não apenas como uma pessoa super forte ou super-humana, mas como um padrão perante o qual se deve sempre ser julgado por uma falta – como um Deus que se sacrificou por nosso bem (OGM: 2. 21)?[xxi] Os deuses dos gregos tinham exemplificado tudo o que seus devotos achavam mais admirável sobre si mesmos, e em particular eram “reflexos de homens nobres e orgulhosos em quem o animal no homem se sentia deificado” (OGM: 2.23). Em contraste, o Deus judaico-cristão representa, segundo Nietzsche, uma idéia que os verdadeiros seres humanos não podem chegar perto de alcançar, pois é sistematicamente o oposto de sua verdadeira “natureza animal inelutável”. É uma imagem de um ser composto inteiramente de ‘espírito’, ou seja, a essência da vida, sem nenhuma de suas características reais.
No jainismo, como nas outras religiões indicas, a idéia de dívida é moralizada pela noção de karma. As ações boas e más têm efeitos definitivos e quantificáveis que podem anular uns aos outros. Seu sofrimento atual é contabilizado por suas próprias ações passadas. Assim, o ressentimento é redirecionado, como um impulso ascético, contra você mesmo (cf. OGM: 3.15-20). O imaginário do carma pode ser muito direto, como quando nos livros infantis as boas e más ações são mostradas como pesando em lados opostos de uma balança, ou onde as pessoas guardam livros em que registram as coisas boas e ruins que fizeram, como se estivessem fazendo uma conta. Ou uma noção qualitativa de equivalência pode ser usada, como quando alguém que trata mal os animais renasce como uma besta de carga. A idéia geral de karma também é ganha uma nova volta no jainismo, como Nietzsche nos levaria a esperar, pela aplicação do ideal ascético de uma alma absolutamente pura – como representado por essas vinte e quatro figuras exemplares e pelo esboço vazio da alma liberada. Aqui, tão claramente como no caso cristão, é um ideal de perfeição e completude humana que é uma negação sistemática da vida humana real – alcançável somente através da abnegação mais extrema, e mesmo assim somente com a morte. Mesmo o karma resultante de boas ações – mesmo atributos eticamente positivos, como generosidade, sucesso e capacidade – são impedimentos para alcançar essa perfeição. Eles inevitavelmente nos levarão a cometer outras ações, que inevitavelmente envolverão danos a outros seres vivos. Assim, alcançar a perfeição envolve livrar-se até mesmo do ‘bom’ karma. Mesmo as boas qualidades, portanto, são uma espécie de dívida[xxii].
Entretanto, parece faltar ao jainismo a idéia de que qualquer uma dessas dívidas é devida a Deus. As almas perfeitas adoradas pelos jainistas observam o drama kármico contínuo do de recompensar e punir as boas e más ações de todos os outros, mas não são eles que fazem ou executam estes julgamentos, e nem os julgamentos são feitos em qualquer sentido para seu bem ou em seu nome, mas sim o fazer automático do universo não criado. Isto significa que a ascese no caso Jain não é tanto uma questão de obediência à lei ou aos comandos de Deus, mas de um interesse próprio iluminado, onde o “eu”, cujo interesse não é o da pessoa viva, mas a imaginada alma purificada futura que se poderia tornar após a iluminação e a morte[xxiii]. Qual teria que ser o caso desta hipotética possibilidade para dar origem a obrigações morais definitivas, como Nietzsche prevê?
Se finalmente conseguíssemos a libertação, nos tornaríamos uma alma pura, desprovida de todas as características do nosso eu atual, e idêntica àquelas almas que hoje adoramos. Como dizem os jainistas, a pessoa se tornaria “Deus”. Como eles também dizem, já é inerente à sua alma alcançar este objetivo: sua alma já ‘quer’, em algum sentido, ser livre de tudo o que faz de você a pessoa que você é. Você poderia então, nos termos de Nietzsche, dever ao Deus que você quer se tornar a prática da moralidade ascética. Para alguém que a alma pura e liberada está presente não apenas como um ideal acreditado, mas como o “eu” que está no centro de seu sentido de si mesmo, o corpo, a identidade, os pensamentos, os atos e o caráter de tal pessoa – seu karma – são dívidas que ele deve a si mesmo e, indistintamente, a Deus. Para tal pessoa, o ascetismo Jain seria, nos termos de Nietzsche e Williams, uma questão de obrigação moral.
Assim, podemos colocar a questão de Nietzsche sobre a genealogia da moral – da relação entre a moral e a ética não moral – como uma questão, para o caso do jainismo, de como tal pessoa poderia vir a ser. O que faria com que o “eu” não fosse James Laidlaw, trinta e oito anos de idade, um metro e meio e assim por diante, mas uma alma pura e perfeita de alguma forma presa nessa pessoa e fundamentalmente estranha a tudo o que o compõe?
Uma antropologia da ética – da qual a antropologia da moralidade faria parte – procuraria responder a esta pergunta; e para mostrar como poderia ser uma resposta, gostaria de voltar agora aos escritos tardios de Michel Foucault. A primeira é uma forma de escrever sobre os aspectos da vida ética que não podem ser capturados em uma história de códigos morais ou regras sociais. Assim como Williams, Foucault insiste que o domínio da ética é mais amplo do que o seguimento de regras morais socialmente sancionadas, em termos de Durkheimian. Inclui também nossa resposta a convites ou injunções para se tornar um determinado tipo de pessoa. A auto-formação [self-fashioning] deste tipo é descrita por Foucault, a meu ver corretamente, como uma prática de liberdade. Portanto, o segundo ponto que quero tirar de Foucault é uma forma de estudar etnograficamente a liberdade ética. Para Foucault, a liberdade é exercida de diferentes maneiras em diferentes circunstâncias históricas, e assim estudá-la envolve descrever as práticas éticas – Foucault as chama também de “técnicas de si” – através das quais isto pode ser feito.
Foucault pode parecer um aliado tão improvável para mim no argumento que venho perseguindo como Nietzsche. Seus trabalhos têm tido enorme influência na antropologia, mas o Foucault que tem tido essa influência tem sido o defensor de uma visão sombriamente totalizadora das sociedades como sistemas de poder/conhecimento, onde a dominação e a resistência são aspectos necessários, difusos e mutuamente implicados de todas as relações sociais[xxiv]. Há alguma garantia para esta leitura de Foucault, especialmente em Disciplinar e Punir. Mas o próprio Foucault passou os anos restantes de sua vida, desde o momento em que o livro foi entregue a sua editora, tentando sai desta concepção.[xxv] Foucault foi o primeiro dos anti-Foucaultianos, e em muitos aspectos o melhor.
Às vezes (como em uma entrevista em 1984) Foucault era claro ao repudiar a forma como já estava chegando a ser lido. A idéia de que o poder é um sistema de dominação que controla tudo e não deixa espaço para a liberdade não pode ser atribuída a mim” (1984c [2000: 293]). Entretanto, em duas peças publicadas derivadas de conversas dadas em 1981 e 1982, ele também admitiu que havia se deixado aberto a tal deturpação (1981b [2000: 176-84]; 1988b [2000: 281-301]). Em seus estudos de asilos e prisões, ele havia dado muita ênfase às técnicas de dominação. Citando em um caso a classificação de Habermas de três tipos de técnicas sociais – técnicas de produção, significação e dominação – Foucault acrescenta que há também um quarto tipo, que ele chama de técnicas ou tecnologias de si. Ele as caracteriza nas duas conversas em palavras quase idênticas. “Elas permitem aos indivíduos efetuar, por seus próprios meios, um certo número de operações sobre – seus próprios corpos, suas próprias almas, seus próprios pensamentos, sua própria conduta – e isto de forma a – transformarem-se, modificarem-se e atingirem um certo estado – de perfeição, felicidade, pureza, poder sobrenatural” (Foucault 1981b [2000: 177]; cf. 1988b [2000: 225]).
No segundo e terceiro volumes de sua História da sexualidade (Foucault 1985a; 1988a), e em vários ensaios e entrevistas dos últimos anos de sua vida (1981b; 1982; 1984a; 1984b; 1984c; 1985b; 1988b; ver também 2000: 87-106), Foucault analisa uma gama considerável destas “técnicas de si”, principalmente do mundo clássico antigo, embora ele afirme que elas existem em todas as sociedades (1984b [2000: 277]; 2000: 87)[xxvi]. Seus exemplos incluem o que ele chama de “usos do prazer” pelos cidadãos do sexo masculino na Grécia clássica (isto envolve sua maneira de andar, bem como a dieta, a conduta do casamento e as relações eróticas com os meninos), práticas defendidas pelos filósofos estóicos (como a antecipação sistemática dos piores eventos futuros possíveis, e a escrita de revisões sistemáticas das atividades de cada dia), e diferentes formas de confissão e penitência no cristianismo primitivo. Todos são analisados como parte da busca de projetos éticos: projetos para fazer de si mesmo um certo tipo de pessoa. De fato, a história incompleta da sexualidade acaba não sendo uma história sobre atos sexuais, mas, em vez disso, documentos ao longo dos séculos de diferentes concepções e métodos de construção de agentes éticos. É contada como uma história sobre sexo pela razão contingente de que, na opinião de Foucault, através do cristianismo e da modernidade pós-cristã, o tema ético passou a ser organizado em torno da questão do desejo sexual. E é nesta forma que um projeto especificamente moral de abnegação se tornou uma parte central da vida ética ocidental. Mas no início da história de Foucault isto não é assim: a ética não era então exclusiva ou mesmo preponderantemente sobre sexo. O aparato conceitual que ele desenvolve reflete isto, e inclui categorias formais concebidas para enquadrar a comparação entre sistemas éticos.[xxvii]
A noção de liberdade é central para este projeto, e é importante notar como este termo polêmico aparece nos escritos de Foucault. Ele não propõe um relato prescritivo da liberdade humana, nem oferece critérios para sua plena realização. Ele não fala em alcançar, mas em exercer a liberdade, e o faz para se referir à extensão e às formas pelas quais as pessoas podem exercer sua escolha ou estão sujeitas a coerção. Isto é coerente com sua visão de que a natureza humana não é fixa, e espera ser descoberta e realizada, mas perpetuamente reinventada através de escolhas e ações humanas: daí sua hostilidade à retórica da “libertação”, com sua implicação de liberar uma verdadeira natureza previamente suprimida (1981a; 1984b; 1984c). Assim, enquanto Foucault não se compromete com uma caracterização filosófica da liberdade, ele se distancia persistentemente de duas idéias utópicas sobre liberdade (idéias que, sendo utópicas, muitas vezes levam na prática ao oposto da liberdade): a idéia de que agir livremente é agir em conformidade com a razão (ou com os interesses “verdadeiros” – esta é a idéia que se esconde por trás de muito uso antropológico da “agência”), e a idéia de que a liberdade só é possível na total ausência de restrição ou relações de poder. Esta última idéia, de liberdade como algo semelhante à aleatoriedade ou ser não-causado, encontra expressão em muitas articulações de moralidade, onde o juízo moral se prende somente à vontade e, portanto, somente às ações na medida em que são, num sentido muito forte, voluntárias (Williams 1985; 1995: 3-76, 241-7; ver também BGE: 21)[xxviii]. É somente na medida em que os atos são voluntários que a idéia de responsabilidade peculiarmente moral – responsabilidade que pode inspirar culpa moral porque, como diz Williams, “vai até o fim” – tem valência. Isto significa que a moralidade tende a ter uma visão particularizadora das ações humanas. Ela olha para atos e escolhas específicas e singulares e, tomando o agente e seu caráter como dado, atribui louvor ou culpa ao que ele ou ela decide fazer. Se olharmos para fora do ato singular, vemos que o agente e seu caráter não são dados, mas respondemos ao que Williams descreve como “práticas de encorajamento e desânimo, aceitação e rejeição, que trabalham no desejo e no caráter para moldá-los nas exigências e possibilidades da vida ética”. Estas práticas fornecem o contexto no qual um agente pode exercer alguma “liberdade para ter escolhido algum outro caráter” (1985: 194). Foucault faz a mesma observação quando diz que, quando “o sujeito se constitui de forma ativa através de práticas de si”, estas práticas são “modelos que ele encontra em sua cultura e são propostos, sugeridos, impostos por sua cultura, sua sociedade, seu grupo social” (1984c [2000: 291]), o que não significa que ele não seja um exercício de liberdade, mas que a liberdade que ele exerce é de uma espécie definida, historicamente produzida. Não existe outro tipo de liberdade.
A ‘ética’, escreve Foucault, ‘é a prática consciente (réfléchie) da liberdade’. É, ‘a forma considerada que a liberdade toma quando é informada pela reflexão’ (1984c [2000: 284]). A ‘reflexão’ nesta formulação é equivalente a ‘pensamento’, como Foucault usou a palavra na designação que escolheu para si mesmo como Professor de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France. O que ele quer dizer com “pensamento”? Ele o descreve como “não apenas representações que habitam a conduta”, portanto, não as coisas nas quais a antropologia freqüentemente lida, as representações culturais tomadas por herança, ou hábitos, ou “discurso”. Ao invés disso:
é o que permite afastar-se desta forma de agir ou reagir, apresentá-la a si mesmo como objeto de pensamento e questioná-la quanto a seu significado, suas condições e seus objetivos. O pensamento é a liberdade em relação ao que se faz, o movimento pelo qual se desprende dele, estabelece-o como um objeto, e reflete sobre ele como um problema (2000: 117).
(Note que é possível exercer ‘agência’ sem fazer nada disso.) Em outro lugar, ele diz que o pensamento é ‘o que estabelece a relação consigo mesmo e com os outros, e constitui o ser humano como sujeito ético’ (1984a [2000: 200]). Portanto, a liberdade do sujeito ético, para Foucault, consiste na possibilidade de escolher o tipo de eu que se deseja ser. Responder ativamente à questão ética de como ou como o que se deve viver é exercer essa liberdade autoconstituinte.
A grande conquista de Foucault, a meu ver, foi ver e mostrar como podemos ter uma história disso: que descrevendo as diferentes técnicas de si, pode-se contar a história de diferentes maneiras pelas quais as pessoas propositadamente se fizeram em certos tipos de pessoas e, portanto, das formas historicamente específicas e definidas (e, claro, sempre limitadas) que essa liberdade ética tomou.
Foucault nunca coloca a questão da maneira que eu tenho feito aqui, e de fato ele nunca levanta a questão desta maneira, mas eu acho que sua análise da ética e sua noção de técnicas de si nos permitem descrever, em termos mais detalhados e intrincados do que a linguagem de Nietzsche sobre valores e idéias teológicas, como certos projetos éticos podem se tornar aquela coisa muito singular – uma moralidade auto-negada. Um seminário tardio de Foucault inclui uma análise de dois tipos de técnicas monásticas cristãs de confissão e penitência – chamadas exomologenesis e exagoreusis – esta última especialmente como consta nos escritos do escritor monástico Cassiano do século V (Cassian 2000; Foucault 1988b [2000: 223-51]; ver também Foucault 2000: 81-6). Usarei esta discussão como uma caixa de ressonância para algumas observações breves e programáticas sobre o mais importante rito confessional do jainismo, uma prática chamada pratikraman.
Foucault observa que as técnicas de si geralmente envolvem algum tipo de obrigação à verdade (1981b [2000: 177-8]; 1988b [2000: 223]). No cristianismo, há uma dupla obrigação de verdade. Há a obrigação de afirmar “a Verdade” como revelada por Deus e contida nas Escrituras; e há a obrigação de descobrir a verdade sobre si mesmo. Esta dupla obrigação também é encontrada, observa, no budismo, mas ele insiste em uma diferença (1981b [2000: 178]). No budismo, a verdade que se descobre sobre o eu é que o eu é uma ilusão. Isto não é assim no cristianismo, onde o eu que você descobre é um eu real. Na verdade, o ponto de Foucault sobre o budismo (que de qualquer forma ele não persegue) não é isento de dificuldades, mas, por mais que o caso esteja lá, no jainismo é claro. O eu não é enfaticamente uma ilusão – é o resultado real de todas as ações anteriores, nesta e em vidas anteriores. As ações têm este efeito porque dão origem ao karma: matéria que alude e polui a alma com as características definidas e substantivas que se fez para si mesmo através das várias vidas: identidade de casta e parentesco, longevidade e saúde, corpo, mente, emoções, hábitos e disposições. No jainismo como no cristianismo existe a idéia de que para purificar a alma, é preciso não apenas afirmar a verdade das escrituras, mas também estabelecer a verdade sobre si mesmo, e vir a viver e agir de acordo com essa verdade. Conhecer a si mesmo é um meio centralmente importante de autotransformação. E em ambos os casos – e isto eu acho que é o crucial – o processo de descobrir a verdade sobre si mesmo leva a uma renúncia cada vez mais intensa e acumulativa a esse eu. A pessoa se torna, nos termos de Nietzsche, moral. Como isso se dá?
Em Cassiano, como vem a ser no Cristianismo em geral, o eu que deve ser conhecido vem a ser visto cada vez mais como um eu com desejos secretos – paradigmaticamente e com a maior parte dos desejos sexuais persistentes. Ao contrário do mundo pagão (como Foucault o descreve), a forma como o sexo foi problematizado para Cassiano e seus contemporâneos monásticos cristãos quase não se concentrava em atos sexuais reais ou relações sexuais entre pessoas (Foucault 1981b; 1985b; 1988b). A abstenção das relações sexuais não constituía em si mesma castidade, o que exigia, além disso, a imobilização progressiva de todas as agitações involuntárias da carne. Isto exigia a dissociação da mente e a desvinculação da vontade de qualquer desejo sexual, e foi perseguido através de técnicas de auto-análise. A confissão, portanto, tendia à verbalização não apenas dos pecados especificados, mas de todos os pensamentos e impulsos de cada um, para levá-los ao escrutínio para que sua fonte e natureza pudessem ser adivinhadas – este pensamento vem de Deus? Ou será que vem do Diabo?
A prática confessional jainista do pratikraman é realizada todas as manhãs e noites por renunciantes, e por leigos tantas vezes quanto eles escolhem – isto varia radicalmente entre indivíduos dependendo do grau em que eles assumem o projeto ético de fazer-se verdadeiramente Jain.[xxix] Pratikraman envolve uma longa e complexa série de prostrações e outras posturas corporais, que são entendidas como penitências pelos pecados que estão sendo enumerados. Estes pecados são listados em uma recitação que continua durante toda a apresentação (que pode levar até três horas) e isto não envolve uma declamação do que você, individualmente, fez naquele dia, naquela semana ou naquele mês. Em vez disso, é um catálogo abrangente de todas as coisas que poderiam ser feitas. Todas as emoções e paixões que podem ser sentidas, todas as ações que podem ser realizadas e, crucialmente, todos os tipos de coisas vivas que existem, e que você poderia ter prejudicado ou matado, seja por pensamento, palavra ou ação, intencionalmente ou não intencionalmente: todas são catalogadas. Ao fazer as penitências, você reconhece que sua vontade, mesmo apesar de si mesma, terá necessariamente cometido estes atos; você desiste do eu inconsistente e descuidado ou faltoso que o fez. E porque o ar é habitado por incontáveis milhões de seres vivos invisíveis, você deve necessariamente ter matado muitos deles, mesmo durante a realização desta mesma confissão e penitência. Aqui, o conhecimento de si inclui o conhecimento, derivado do ensino religioso, mas especializado na prática corporal, dos efeitos destrutivos que sua vida, respiração e atuação têm sobre outros seres vivos. Portanto, a própria confissão contém dentro dela a confissão e a penitência pelos pecados cometidos no curso da mesma.
Na prática cristã do exagoreusis, você reúne a verdade sobre si mesmo, registrando todas as formas pelas quais esse eu se faz sentir, mesmo nas mais meritórias agitações da carne ou nos pensamentos e desejos mais indistintos. A ordem para encontrar a verdade sobre si mesmo é, portanto, parte de uma prática auto-formadora e autotransformadora na qual, como diz Foucault, “a auto-revelação é ao mesmo tempo autodestruição” (1988b [2000: 245]). Na prática do pratikraman e na prática ascética de Jain é gerada uma dinâmica semelhante de auto-revelação e autodestruição, de um modo diferente, mas relacionado. O eu que é descoberto e renunciado inclui todo o parentesco e outras relações sociais, e não se trata principalmente de desejo sexual. É novamente o caso de que a causa do pecado é o desejo, e os desejos devem ser novamente enumerados, identificados, repudiados e extintos – para que novamente o eu seja renunciado, mesmo quando descoberto. Isto é claramente expresso no idioma jainista, segundo o qual se “lança fora” o eu que cometeu o pecado. Mas a forma como o desejo se faz conhecido não é tanto no sexo, mas em todo o descuido do movimento físico – movimento que faz com que se mate rotineiramente o próximo. É a violência, mais do que o sexo, que é o pecado inevitável, o pecado que só pode finalmente chegar ao fim com o fim da vida física. Assim, as técnicas pelas quais se purifica a si mesmo envolvem cuidados minuciosos sobre como se move, anda, senta e fica de pé, fala, lava e defeca; depois aprende a permanecer absolutamente imóvel no sono, aprendendo a regular e limitar o que se come, a jejuar por longos períodos e, no final, a desistir totalmente de comer.[xxx]
O asceta Jain trata sua vida, na frase vívida de Nietzsche, como um caminho errado que ele tem que trilhar para trás (OGM: 3.11). Progressivamente, os constituintes da pessoa, desde a sua casta e relações familiares, até o seu nome e identidade pessoal, seus hábitos e maneirismos, preferências e sentimentos, e finalmente as suas necessidades corporais, são conhecidos e renunciados gradualmente, deixando no final apenas a alma pura, que é, finalmente, idêntica a todas as outras almas purificadas.
A busca deste projeto de autoconhecimento e auto-renunciação pode parecer uma coisa muito singular a se fazer com a própria liberdade. Mas se a palavra “liberdade” é reservada apenas às escolhas que se aprova, então ela perde seu significado. Portanto, a singularidade do projeto não deve nos impedir de reconhecer que um exercício de liberdade é de fato o que isso é. A adoção até mesmo desta ascese extremamente severa e literalmente autodestrutiva é um projeto ético voluntário. A obrigação moral é seu ponto final, não seu começo; e embora seja perseguida através de práticas sociais instituídas, não é um código de regras imposto socialmente.
Naturalmente, algumas dessas regras derivadas deste projeto ético podem ser encontradas nas comunidades Jain: para pessoas criadas em um meio jainista, o vegetarianismo é uma regra mais ou menos obrigatória, por exemplo. E para as pessoas que fazem os votos permanentes mais sérios e se tornam renunciantes jainistas, uma grande parte de sua rotina diária se torna prescrita. Seria razoável chamar esses dois tipos de regras de “moralidade jainista”, e entender essa expressão da maneira como Durkheim teria feito. Mas nada no conteúdo das regras faria sentido sem compreender o projeto ético do qual elas derivam. E pensar que elas englobam a vida ética dos praticantes Jains seria um erro.
Nas técnicas religiosas formalizadas do si, tais como exagoreusis ou pratikra, a ambição de moldar o eu é explícita, e é informada por uma sofisticada reflexão teórica, como não é, talvez, quando as pessoas se juntam a uma associação voluntária de algum tipo, ou mudam sua maneira de vestir, ou decidem compra sabão em pó reciclado. Mas estas também podem ser instâncias do exercício da liberdade ética.
Onde e na medida em que a conduta das pessoas é moldada por tentativas de fazer de si mesmas um certo tipo de pessoa, porque é como tal que, refletindo, elas pensam que devem viver, nessa medida sua conduta é ética e livre. E na medida em que o fazem com referência a ideais, valores, modelos, práticas, relacionamentos e instituições que são passíveis de estudo etnográfico, nessa medida sua conduta torna-se o assunto de uma antropologia da ética.
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Notas:
[i] É estranho, por exemplo, que MacIntyre (1981; 1988; 1990) e Taylor (1985; 1989; 1997), que argumentaram de diferentes maneiras que a moral só pode ser compreendida através de um estudo de arranjos sociais concretos, não se encontraram envolvidos em um diálogo frutífero por parte de antropólogos. Uma exceção recente, com respeito a MacIntyre, é o interessante trabalho de Lambek (2000).
[ii] Williams (1972: 34-9) oferece uma discussão clássica do que ele chama de “heresia do antropólogo”. Na época em que escrevo, o mais recente leitor introdutório sobre ética que encontrei (Sommers & Sommers 2001) inclui como única contribuição de um antropólogo um extrato de Ruth Benedict sob o título, “Uma defesa do relativismo moral”. Exemplos semelhantes poderiam ser multiplicados. Boas (1928) e seus seguidores, especialmente Benedict (1935; 1967 [1946]); Herskovits (1948; 1972) e Mead (1928), são os autores mais citados, mas mais recentemente Cook (1999), Geertz (1984), Hatch (1983) e Shweder (1989) continuaram a tradição. De fato, a idéia do relativismo como um artigo de fé profissional parece muito forte. Assim, por exemplo, apenas cinco anos depois de um artigo intempestivo(1995) atacando o “relativismo cultural” em nome do “ético” (identificado sem hesitação com as próprias opiniões políticas da autora), Nancy Scheper-Hughes recomenda que “os antropólogos devem se intrometer com nosso relativismo cultural cauteloso” nos debates sobre bioética (2000: 197).
[iii] Exemplos disso incluem Singer (1981), e o uso por Singer de trechos de antropólogos do início a meados do século (Westermarck, Marshall, Malinowski) em uma seção sobre “Temas comuns na ética dos primatas”, em um de seus muitos leitores sobre ética (Singer 1994), e os de Midgley e Silberbauer em outro (Singer 1991).
[iv] Ver, por exemplo, Firth (1951; 1953). Em Morals and Merit, Fürer-Haimendorf lamentou a ausência de um “quadro de referência acordado” para integrar nossos conhecimentos de moral em sociedades diferentes (1967: 9). Infelizmente, sua estrutura nesse volume envolvia um esquema evolutivo de estágios de desenvolvimento técnico e sociopolítico, e explicando crenças, práticas e instituições em termos das exigências desses respectivos estágios. A Edel e a Edel (1959) fizeram um uso menos sistemático da mesma idéia. Entre as recentes discussões interessantes sobre antropologia e ética, ver Howell (1997), Lambek (2000), Parkin (1985), Pocock (1986), e Wolfram (1982).
[v] As versões deste ponto são feitas brevemente, de diferentes maneiras, por Parkin (1985: 4-5), Pocock (1986: 8) e Wolfram (1982: 268). Para uma discussão crítica de seus argumentos e uma visão contrária, ver Didier (1996).
[vi] O The ethnography of moralities, de Howell (1997), pode servir como uma ilustração recente. O editor, numa tentativa na introdução de extrair alguns temas teóricos gerais das contribuições etnográficas para o volume, observa que a noção de Edels (1959) de “ética ampla” é basicamente equivalente às concepções antropológicas tradicionais de cultura. Ela defende esta última contra algumas críticas recentes, e sugere que o uso do conceito de moralidade é igualmente defensável, sem dizer o que ela toma a diferença entre os dois para ser, ou porque podemos precisar de ambos.
[vii] Os temas que destaco nesta discussão de Durkheim passam por todos os seus escritos. Me apoio fortemente em suas palestras publicadas em inglês como Ética Profissional e Moral Cívica. As versões destas palestras foram entregues pela primeira vez nos anos 1890 em Bordeaux, mas Durkheim as deu novamente na Sorbonne a partir de 1904, e a versão publicada postumamente provavelmente data de pouco antes de sua morte em 1917. Parece, pelo índice projetado (Durkheim 1979; veja também as notas de Pickering nas páginas 93-5) que estas palestras iriam constituir uma parte significativa de La Morale).
[viii] Como Haskell observou (1998: 84), Durkheim parece ter pensado em termos de uma concepção particularmente estreita de interesse próprio, uma concepção que incluía apenas a vantagem pecuniária e era cega ao interesse próprio na busca de vantagens não monetárias, como o poder burocrático. Parece claro, além disso, que ele estava alheio à percepção de Weber de que a busca do sucesso comercial poderia não ser motivada simplesmente pelo desejo de lucro financeiro.
[ix] Muitas edições/traduções das obras de Nietzsche estão em uso. Devo seguir a prática acadêmica padrão e me referir a elas usando abreviações convencionais e números de parágrafos/seções.
[x] Ver EH: 768-9. Algumas vezes Nietzsche distingue a moralidade que ataca de uma moralidade futura do tipo “superior” (BGE: 202) ou “mais ampla” (BGE: 32). Ele também distingue a moralidade neste sentido da “moralidade do costume”, que é “muito mais antiga e mais primitiva” (OGM: 4).
[xi] OGM: 1.6, 3.11, 3.21. Veja também BGE: 46, 62 (onde o cristianismo e o budismo são analisados nestes termos), 197-203. A perspectiva de uma alma animal voltando-se contra si mesma, tomando parte contra si mesma, era algo tão novo, tão profundo, inédito, intrigante, contraditório e momentâneo na Terra que todo o caráter do mundo mudou de forma essencial” (OGM: 2.16).
[xii] Sobre a influência de Nietzsche na Williams, ver Clark (2001).
[xiii] O conflito entre “Roma” e “Judéia” nos tempos antigos se tornou um símbolo, diz Nietzsche, do conflito entre os valores de mestre e escravo (OGM: 1,16). As referências a mudanças ou eventos mais ou menos específicos em épocas e locais mais ou menos específicos são escassas através dos escritos de Nietzsche, mas servem sempre como julgamentos sobre os eventos que os homens – em vez de serem elementos de uma narrativa sustentada. A fixação do uso moderno do ‘Schlecht’ alemão é identificada como acontecendo ‘por volta da época da Guerra dos Trinta Anos’ (OGM: 1,4). A ‘última grande revolta de escravos’ é descrita como tendo começado com a Revolução Francesa (BGE: 46) com Napoleão representando ‘o último sinal para o outro caminho’ (OGM: 1,16).
[xiv] Para discussão, ver Parkes (1991; 1996).
[xv] Em Beyond good and evil, Nietzsche argumenta que uma “ciência da moral” não se desenvolveu porque os filósofos procuraram fornecer o que esperavam que fosse uma base racional para a moralidade, mas tomaram o conteúdo da “moralidade” como dado (uma afirmação também feita em MacIntyre 1981). É precisamente porque os filósofos morais conheciam os fatos da moralidade apenas de forma um tanto vaga em um extrato arbitrário ou de uma abrasão do acaso, como a moralidade de seu ambiente, sua classe, sua igreja, o espírito de seu tempo, seu clima e zona da terra, por exemplo – foi precisamente porque eles estavam tão mal informados e nem mesmo muito inquisitivos sobre outros povos, idades e épocas passadas, que não tanto se aperceberam dos problemas reais da moralidade – pois estes só vêm à tona se compararmos muitas moralidades” (BGE: 186).
[xvi] Há discordância entre as tradições jainistas sobre se todos os vinte e quatro jinas eram homens ou se um deles era mulher (Jaini 1991). Aqui, por simplicidade, eu me refiro ao Jinas como homens.
[xvii] Ver Banks (1999), Jaini (1979: 170-1), e Laidlaw (1995: 230-74)
[xviii] Laidlaw (1995). As excelentes etnografias de Babb (1996) e Cort (2001) são organizadas em torno da mesma edição. Ver também Chapple (2001). Nietzsche enfatiza, de fato, que os proponentes sacerdotais dos valores ascéticos vieram de todas as classes (OGM: 3.11).
[xix] Nietzsche enfatiza, de fato, que os proponentes sacerdotais dos valores ascéticos vieram de todas as classes (OGM: 3.11).
[xx] Em uma linha semelhante, Williams sugere que a culpa difere da vergonha porque, entre outras coisas, ela é inafiançável. A vergonha … não é nem mesmo o desejo, como dizem, de afundar no chão, mas sim o desejo de que o espaço ocupado por mim seja instantaneamente vazio. Com a culpa, não é assim; sou mais dominado pelo pensamento de que mesmo que eu desaparecesse, ele viria comigo” (1993: 89).
[xxi] Compare os comentários de Nietzsche sobre a natureza do Brahman (OGM: 3: 17).
[xxii] Estudos antropológicos têm mostrado como em diferentes comunidades e localidades o karma desempenha papéis variados na explicação e julgamento dos acontecimentos. Sua aplicação requer sempre uma pré-estação e nunca é a única estrutura ou conceito possível que pode ser usado (Keyes & Daniel 1983). Sobre o pensamento Jain com respeito ao karma, ver Dundas (1992: 85-90), Jaini (1979: 107-33; 1980), e Laidlaw (1995: 25-47, 65-80).
[xxiii] A diferença não é de modo algum absoluta, porém, pois assim como as versões da aposta de Pascal sempre fizeram parte do pensamento moral cristão popular, assim também no jainismo existem deidades subordi- nativas – deidades no sentido de serem seres sobrenaturais possuidores de poderes milagrosos – que fazem como que uma regra para seus devotos observar os preceitos morais jainistas e só conferirão os benefícios mundanos que seu poder milagroso torna possível às pessoas que veneram e seguem os ensinamentos dos jinas. Eles podem até mesmo punir aqueles que não o fazem. Mas estas divindades, ao contrário do Deus cristão, gozam, elas mesmas, de uma autoridade moral limitada. Em algumas tradições jainistas, elas quase não têm importância, e mesmo nas tradições em que são uma parte pró-mente minente da prática religiosa popular, aqueles que praticam o ascetismo jainista de forma mais enérgica são geralmente os que menos adoram essas deidades.
[xxiv] Este estilo de análise, como Sahlins (1993; 1999) tem insistido, é realmente apenas um funcionalismo bruto modificado.
[xxv] Veja a intrigante discussão em Miller (1993).
[xxvi] A noção de Foucault sobre técnicas de si é, entre outras coisas, uma adaptação do trabalho de Hadot sobre “exercícios espirituais” no mundo antigo (1995: 81-125). É claro que tem havido disputa entre especialistas sobre a solidez das leituras de textos antigos de Foucault. O próprio Hadot expressou algumas dúvidas (1995: 206-13). Brown (1988) se baseia nas análises de Foucault e é solidário, assim como Nehamas (1998). Davidson (1997) é mais crítico, e justifica-se por ser assim, na medida em que ele discordou especialmente da tendência poder-functionalista na escrita de Foucault, algo que foi enfatizado e ampliado por classicistas influenciados por ele (Halperin 1990; Halperin, Winkler & Zeitlin 1990; Keuls 1985; Winkler 1990). A maior parte do excelente livro de Davidson parece compatível com a abordagem geral de Foucault, pelo menos como eu o interpreto aqui.
[xxvii] Ver especialmente 1984b, 1985a, 1988a. A análise de quatro aspectos de um sistema ético, que Foucault desenvolve nestas obras, é usada para enquadrar a descrição etnográfica de Laidlaw (1995) e Rabinow (1996: 15-25, 162-87).
[xxviii] Um dos propósitos de Williams em Shame and necessity é mostrar que os antigos gregos operavam com uma noção mais realista de responsabilidade (1993: 50-74). Ele mostra que eles tinham noções de causa, intenção, estado e resposta – os elementos básicos de uma concepção de responsabilidade – mas não tentaram postular a noção de “profundidade metafísica” voluntária (1993: 55). “Assim como existe um “problema do mal” somente para aqueles que esperam que o mundo seja bom, existe um problema de livre arbítrio somente para aqueles que pensam que a noção de voluntário pode ser metafisicamente aprofundada” (1993: 68).
[xxix] Laidlaw (1995: 204-15). Ver também Cort (2001: 122-7), Dundas (1992: 146-9), Jaini (1979: 189-91, 209-17), e R. Williams (1963: 203-7).
[xxx] Sobre o modo como a ascese Jain e especificamente a não-violência requer controle corporal e jejum compreensivos, ver Laidlaw (1995: 151-72, 216-29). Sobre a prática do jejum até a morte, ver Dundas (1992: 155-6), Jaini (1979: 227-40), e Settar (1990).
Para citar este texto: LAIDLAW, James. Por uma antropologia da ética e da liberdade. (Tradução Bruno Reinhardt) Blog do Labemus, 2022. [Publicado em 24 de maio de 2022]. Disponível em:
homens – em vez de serem elementos de uma narrativa sustentada. A fixação do uso moderno do ‘Schlecht’ alemão é identificada como acontecendo ‘por volta da época da Guerra dos Trinta Anos’ (OGM: 1,4). A ‘última grande revolta de escravos’ é descrita como tendo começado com a Revolução Francesa (BGE: 46) com Napoleão representando ‘o último sinal para o outro caminho’ (OGM: 1,16).
[xiv] Para discussão, ver Parkes (1991; 1996).
[xv] Em Beyond good and evil, Nietzsche argumenta que uma “ciência da moral” não se desenvolveu porque os filósofos procuraram fornecer o que esperavam que fosse uma base racional para a moralidade, mas tomaram o conteúdo da “moralidade” como dado (uma afirmação também feita em MacIntyre 1981). É precisamente porque os filósofos morais conheciam os fatos da moralidade apenas de forma um tanto vaga em um extrato arbitrário ou de uma abrasão do acaso, como a moralidade de seu ambiente, sua classe, sua igreja, o espírito de seu tempo, seu clima e zona da terra, por exemplo – foi precisamente porque eles estavam tão mal informados e nem mesmo muito inquisitivos sobre outros povos, idades e épocas passadas, que não tanto se aperceberam dos problemas reais da moralidade – pois estes só vêm à tona se compararmos muitas moralidades” (BGE: 186).
[xvi] Há discordância entre as tradições jainistas sobre se todos os vinte e quatro jinas eram homens ou se um deles era mulher (Jaini 1991). Aqui, por simplicidade, eu me refiro ao Jinas como homens.
[xvii] Ver Banks (1999), Jaini (1979: 170-1), e Laidlaw (1995: 230-74)
[xviii] Laidlaw (1995). As excelentes etnografias de Babb (1996) e Cort (2001) são organizadas em torno da mesma edição. Ver também Chapple (2001). Nietzsche enfatiza, de fato, que os proponentes sacerdotais dos valores ascéticos vieram de todas as classes (OGM: 3.11).
[xix] Nietzsche enfatiza, de fato, que os proponentes sacerdotais dos valores ascéticos vieram de todas as classes (OGM: 3.11).
[xx] Em uma linha semelhante, Williams sugere que a culpa difere da vergonha porque, entre outras coisas, ela é inafiançável. A vergonha … não é nem mesmo o desejo, como dizem, de afundar no chão, mas sim o desejo de que o espaço ocupado por mim seja instantaneamente vazio. Com a culpa, não é assim; sou mais dominado pelo pensamento de que mesmo que eu desaparecesse, ele viria comigo” (1993: 89).
[xxi] Compare os comentários de Nietzsche sobre a natureza do Brahman (OGM: 3: 17).
[xxii] Estudos antropológicos têm mostrado como em diferentes comunidades e localidades o karma desempenha papéis variados na explicação e julgamento dos acontecimentos. Sua aplicação requer sempre uma pré-estação e nunca é a única estrutura ou conceito possível que pode ser usado (Keyes & Daniel 1983). Sobre o pensamento Jain com respeito ao karma, ver Dundas (1992: 85-90), Jaini (1979: 107-33; 1980), e Laidlaw (1995: 25-47, 65-80).
[xxiii] A diferença não é de modo algum absoluta, porém, pois assim como as versões da aposta de Pascal sempre fizeram parte do pensamento moral cristão popular, assim também no jainismo existem deidades subordi- nativas – deidades no sentido de serem seres sobrenaturais possuidores de poderes milagrosos – que fazem como que uma regra para seus devotos observar os preceitos morais jainistas e só conferirão os benefícios mundanos que seu poder milagroso torna possível às pessoas que veneram e seguem os ensinamentos dos jinas. Eles podem até mesmo punir aqueles que não o fazem. Mas estas divindades, ao contrário do Deus cristão, gozam, elas mesmas, de uma autoridade moral limitada. Em algumas tradições jainistas, elas quase não têm importância, e mesmo nas tradições em que são uma parte pró-mente minente da prática religiosa popular, aqueles que praticam o ascetismo jainista de forma mais enérgica são geralmente os que menos adoram essas deidades.
[xxiv] Este estilo de análise, como Sahlins (1993; 1999) tem insistido, é realmente apenas um funcionalismo bruto modificado.
[xxv] Veja a intrigante discussão em Miller (1993).
[xxvi] Anotação de Foucault sobre técnicas de si é, entre outras coisas, uma adaptação do trabalho de Hadot sobre “exercícios espirituais” no mundo antigo (1995: 81-125). É claro que tem havido disputa entre especialistas sobre a solidez das leituras de textos antigos de Foucault. O próprio Hadot expressou algumas dúvidas (1995: 206-13). Brown (1988) se baseia nas análises de Foucault e é solidário, assim como Nehamas (1998). Davidson (1997) é mais crítico, e justifica-se por ser assim, na medida em que ele discordou especialmente da tendência poder-functionalista na escrita de Foucault, algo que foi enfatizado e ampliado por classicistas influenciados por ele (Halperin 1990; Halperin, Winkler & Zeitlin 1990; Keuls 1985; Winkler 1990). A maior parte do excelente livro de Davidson parece compatível com a abordagem geral de Foucault, pelo menos como eu o interpreto aqui.
[xxvii] Ver especialmente 1984b, 1985a, 1988a. A análise de quatro aspectos de um sistema ético, que Foucault desenvolve nestas obras, é usada para enquadrar a descrição etnográfica de Laidlaw (1995) e Rabinow (1996: 15-25, 162-87).
[xxviii] Um dos propósitos de Williams em Shame and necessity é mostrar que os antigos gregos operavam com uma noção mais realista de responsabilidade (1993: 50-74). Ele mostra que eles tinham noções de causa, intenção, estado e resposta – os elementos básicos de uma concepção de responsabilidade – mas não tentaram postular a noção de “profundidade metafísica” voluntária (1993: 55). “Assim como existe um “problema do mal” somente para aqueles que esperam que o mundo seja bom, existe um problema de livre arbítrio somente para aqueles que pensam que a noção de voluntário pode ser metafisicamente aprofundada” (1993: 68).
[xxix] Laidlaw (1995: 204-15). Ver também Cort (2001: 122-7), Dundas (1992: 146-9), Jaini (1979: 189-91, 209-17), e R. Williams (1963: 203-7).
[xxx] Sobre o modo como a ascese Jain e especificamente a não-violência requer controle corporal e jejum compreensivos, ver Laidlaw (1995: 151-72, 216-29). Sobre a prática do jejum até a morte, ver Dundas (1992: 155-6), Jaini (1979: 227-40), e Settar (1990).
Para citar este texto: LAIDLAW, James. Por uma antropologia da ética e da liberdade. (Tradução Bruno Reinhardt) Blog do Labemus, 2022. [Publicado em 24 de maio de 2022]. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2022/05/24/ por-uma-antropologia-da-etica-e-da-liberdade-por-james-laidlaw /




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