
Estética, poética e subjetivação
Na história das ciências sociais, encontramos uma série de infusões do vocabulário das ciências naturais, das religiões e das filosofias, como parte do desenvolvimento dos nossos repertórios conceituais próprios. Este programa de pesquisa parte da questão: de que forma apareceriam para nós os fenômenos sociais, se os interpelássemos a partir das categorias da arte – ou, de modo mais amplo, daquelas categorias que medeiam a relação entre o objeto artístico, seu produtor e seu receptor (ritmo, forma, harmonia etc.)? Gostaríamos de entender qual é o papel que a aesthesis – a capacidade de interpretar o fenômeno enquanto sensivelmente organizado – pode ter para o conhecimento em ciência social. Em outros termos: saber em que medida os fenômenos sociais em geral partilham das características que nós costumamos imputar apenas aos artefatos “estéticos”, e também em que medida poderíamos tomar eventuais correspondências formais como índices de sua consubstancialidade. Isso tem um duplo interesse: objetivo e subjetivo. Do ponto de vista do “objeto”, é de especial relevância para os métodos e técnicas de pesquisa “qualitativa” em que cabe perguntar: o que é que a vida social dá-nos a conhecer especificamente por meio da nossa resposta sensível aos fenômenos, que ela porventura não nos permitiria conhecer de outros modos? Do ponto de vista do “sujeito”, cabe dizer: não apenas a qualidade específica a tais ou quais fenômenos, mas também os diferentes modos de falar sobre a sensibilidade devem ser tomados como documentos, evidências da variabilidade histórica que encontra o arranjo subjetivo de nossas faculdades sensoriais, afetivas e intelectuais. Nossa hipótese é que isso não deixa marcas apenas sobre a relação humana com a sensibilidade, mas também sobre sua relação com o pensamento. Assim, nossa expectativa é que uma investigação centrada sobre o domínio sensível encontre seu lugar como um complemento à investigação propriamente lógica e epistemológica em ciência social. Ela deve ajudar a esclarecer a diferença de forma e de conteúdo entre os diferentes modos de conhecimento, e poderia levar, em último caso, a uma revisão da própria questão: o que significa conhecer? Que relações pode haver entre o abstrato e o sensível? Entre saber e fruição?