Bruno Latour (IEP, França)*
Tradução de Diogo Silva Corrêa
As Nações Unidas agrupam todos os países e, por conseguinte, o território legal dessas nações. Todavia, mesmo se você olhar um mapa político do mundo, você logo perceberá que todas as nações agrupadas não recobrem o globo terrestre. Nem o oceano, nem os polos entram nessas fronteiras.
Definir o território
Se você olhar de modo mais atento e passar de um mapa administrativo para um mapa geoleogico ou meteriológico, você verá claramente que vastos pedaços de existência terrestre, dos quais contudo dependem as nações, não são representados por ninguém: nem a atmosfera, nem o petróleo, nem o carbono, nem os animais, nem as florestas. Mais curioso ainda, os solos, cujo cuidado e manutenção são indispensáveis à própria definição de um território, não possuem representantes oficiais, ainda que possamos explorá-los como se eles não formassem a base da Europa, da China ou da Etiópia. Se definimos território por aquilo de que dependemos para subsistir, o que nós estamos prontos a defender, por aquilo que possui bordas mais ou menos delimitadas e que nós somos capazes de representar por sentimentos, mapas, cifras e narrativas, nós nos damos conta de que o sistema das Nações Unidas não agrupou outra coisa além dos Estados. Ora, os Estados, nós percebemos isso com a lentidão das decisões sobre o clima, perseguem os interesses de populações humanas, mas de nenhum modo dos territórios dos quais essas últimas dependem. O sistema de segurança mundial é, portanto, esquizofrênico: pretende-se proteger as populações das quais privamos as condições de existência. Os Estados são pensados fora do solo, um pouco como cultivamos saladas hidropônicas.
Encontrar a segunda Câmara
O sistema tradicional, dito “representativo”, distingue duas Câmaras, uma para as populações, outra justamente para os territórios. Digamos: a Assembléia e o Senado. Mesmo se, aqui, a segunda Câmara, a dos territórios, corresponde a uma visão administrativa que permanece muito abstrata, eu me pergunto onde se encontra a segunda Câmara da ONU. Onde está, portanto, o Senado terrestre encarregado de representar não as Nações Unidas, não os Estados fora do solo, mas os territórios diversos e reunidos de que dependem tanto as nações como os Estados para sua subsistência durável?
Diz-se que o princípio de duas Câmaras evita decisões excessivamente absurdas ao compensar os interesses e as paixões de populações com aqueles que entram em contraste com os interesses dos territórios. Mas, até aqui, esse belo princípio não fez mais do que defender uma definição dos humanos contra uma outra, esquecendo que, para uma outra parte, os humanos dependem de seres que não gozam, nesse momento, de nenhum reconhecimento institucional.
Na época do novo regime climático, essa situação é tanto mais chocante que, no final, os humanos permanecem sem defesa, uma vez que os territórios, os habitats dos quais eles dependem não são objeto de uma assembleia crível. O mundo nunca teve Parlamento.
Incarnar o coletivo
Objetar-se-á que é difícil representar as florestas, os oceanos, os animais selvagens, o fósforo ou o petróleo através de um humano falante, dado que os primeiros são mudos e sem voz. A objeção é duplamente falaciosa: há inúmeros meios de fazê-los falar – é de praxe o que chama-se de ciências das florestas, dos oceanos, dos solos e da terra; e, de outro lado, se se pode representar a “França” ou o “Canadá”, que são seres de razão, deve-se poder representar a atmosfera, cujo recorte é certamente menos arbitrário…
Representar, sabe-se desde os romanos, e ainda melhor desde Hobbes, é sempre dar a um indivíduo, a uma pessoa física, a tarefa de incarnar o coletivo, a pessoa moral. Se os verdadeiros territórios dos quais nós dependemos não forem representados por uma segunda Câmara composta por indivíduos de carne e osso, nós não escutaremos os protestos do oceano, a revolta dos solos, a indignação dos animais. Por conseguinte, nós seremos incapazes de definir nossos próprios interesses. As populações permanecerão sem defesa.
*Artigo publicado originalmente no Jornal Le Monde no dia 18.01.2016.
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