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Cosmograma, por John Tresch

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Por John Tresch
Tradução: Diogo Corrêa

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A primeira vez que eu escutei o termo “cosmograma” foi na conferência dada por David Damrosh, que desenvolve estudos sobre a religião, na Universidade de Columbia. Ele o utilizou quando falava sobre o Tabernáculo, o templo que Moisés construiu no final do Êxodo, o segundo livro da Bíblia. O Tabernáculo é a representação de um cosmos inteiro – os poderes de Deus, sua relação com os humanos, e seu lugar em relação ao resto da natureza. Nesse momento, eu estava estudando as mudanças nas representações do cosmos que ocorreram na França durante o início da revolução industrial. Eu estava usando o termo “cosmografia”, mas ele parecia limitá-las à escrita. Eu procurava por um termo que poderia incluir não apenas a escrita, mas imagens, objetos, formas arquitetônicas, gestos rituais, “ações”.

Voltei e olhei o texto que Damrosh discutiu. Essa passagem do Êxodo é um manual detalhado de como fazer para construir o templo dos hebreus. O papel que ele exerce na narrativa da Bíblia é reconstituir as conexões e a aliança entre Deus, homens e natureza, elo que fora antes quebrado através da queda, do dilúvio e da torre de Babel. O Tabernáculo é um templo com plano arquitetônico, materiais e também cores escolhidas por Deus. Ele é adaptado para a vida religiosa de povos nômades: ele é portátil. Como uma tenda, ele pode ser desmontado e construído novamente, e é feito com toda a tecnologia que os Hebreus dispunham naquele momento: metalurgia, tecelagem, desenho, tingimento, marcenaria, tudo o que Deus menciona pelo nome.

Em seu centro há um altar, a Arca da Aliança, e dentro dele há as tábuas da Lei, um censo de todos os membros de todas as tribos e todas as prescrições sobre ética e alimentação: classificações de diferentes tipos de ação, diferentes tipos de pessoas, diferentes plantas e animais.

Em outras palavras, o texto do Êxodo é um cosmograma que contém o plano para o lugar sagrado, ele mesmo um cosmograma que incorporará as relações entre humanos, Deus e natureza. Ele também tem uma interessante reflexividade sobre o trabalho necessário para realizá-lo e para o papel da tecnologia. O resultado dessa construção é que no sétimo dia, o dia em que eles param de fazer todos os diferentes tipos de trabalho para construir o templo, quando as pessoas entram nele, quando os sacerdotes realizaram todos os ritos necessários da devida maneira, Deus vem até os Hebreus: na forma de uma nuvem, ele preenche a tenda. Trata-se de uma máquina para fazer Deus aparecer. O que é fundamental é que o elo com Deus é tornado possível pela mediação da construção descrita de uma maneira extremamente técnica e detalhada, e nessa construção há lugar para toda a sociedade e toda a natureza. O que é importante, e a razão pela qual isso é diferente de uma cosmologia, é que nós estamos falando de um texto que resulta em uma prática concreta e em um conjunto de objetos, que tecem juntos um completo inventário ou mapa do mundo.

É a materialidade do cosmograma que torna possível a particularidade que faz dele um objeto útil. Há várias críticas à noção de “cosmos” e de “cosmologia”. Há sempre o risco de tornar-se excessivamente vago com essas palavras. A Crítica da Razão Pura de Kant dispende várias palavras acerca de ideias cosmológicas; ele explica que não pode haver ciência positiva do cosmos como um todo. Quando perguntamos sobre o início ou o fim do universo, a imortalidade ou a liberdade da alma, nós estamos no reino da especulação; não pode haver nenhuma resposta certa aqui porque não há experiência empírica na qual podemos basear nosso julgamento. Claro, o conceito de cosmologia é central para a antropologia e para a história das ideias, e se conecta com toda a questão da hermenêutica – a dependência de toda parte sobre o “todo”. Portanto, a crítica da noção de cosmologia se alinha com a crítica da ideia da cultura e do projeto de interpretação em geral. Tentar entender a cosmologia de um povo de um lugar e uma época diferentes nos coloca na posição de ter que ir além das coisas que escutamos e vemos e ter que captar as percepções e as categorias de entendimento desses “outros”. Mesmo se você tenta “virar nativo” e realmente se torna parte da sociedade em questão, mesmo se você transforma a si mesmo pelas etapas rituais necessárias para se tornar um membro integral dessa sociedade, haverá mil formas de mostrar que você ainda não fez isso. É sempre difícil “Dogonizar” [Dogonize] a si mesmo – um neologismo criado pelo velho antropólogo Jean Bazin. Em suma, descobrir o que está ocorrendo na cabeça dos teus informantes, descrever sua visão de mundo ou cosmologia como um tipo de reconstrução imaginária post-hoc, é simplesmente impossível.

É justamente aqui o lugar onde a noção de cosmograma entra. Há sempre certos pontos centrais de referência que permitem com que as pessoas estabeleçam acordos entre si – assim como os ritos e objetos simbólicos que Durkheim em certo sentido analisa no livro Les formes elementaires de la vie religieuse. Festivais anuais estabelecem tais pontos fixos de referência para todos que reivindicam se tornar membros de um dado grupo. Isso é exatamente o que faz um cosmograma: ele coloca essa totalidade numa forma concreta enquanto base para novas interpretações e ações: relações sociais, relações com outras culturas, com entidades naturais, com animais, plantas – mas isso também estabelece a relação entre diferente domínios e níveis ontológicos –, o plano mundano, o mundo dos espíritos, Deus e os ancestrais, lugares nos quais eles se cruzam. Isso é muito mais concreto do que uma cosmologia. Uma cosmologia não pode ser vista: uma “visão de mundo” está trancada na cabeça das pessoas. Um cosmograma também é mais frouxo: pessoas podem relacioná-lo de diferentes formas, pois ele não é um padrão mental monolítico que determina o seu pensamento e a sua ação. Um cosmograma, portanto, aponta para uma cosmologia como parte de práticas contínuas, uma representação feita por pessoas que sustentam uma visão de mundo a respeito dessa visão de mundo.

O que eu estou interessado em fazer, junto com outras pessoas que trabalham com história da ciência e com os science studies, é estudar a ciência ocidental do mesmo modo que antropólogos estudam uma cultura estrangeira, para entender como diferentes tipos de atividades se unificam em um completo entendimento do universo, e como esses entendimentos mudam com novas descobertas, invenções, mudanças políticas e contatos com outras tradições. Se queremos entender a cosmologia do Ocidente, como ela realmente opera, é igualmente importante diferenciar os cosmogramas da cosmologia, uma vez que hoje em dia há uma disciplina científica específica chamada cosmologia que estuda a história do universo físico. O que interessa aqui é a conexão entre astronomia e astrologia, que foi rompida em um determinado momento de nossa história. Tentar compreender a “cosmologia” do Ocidente moderno coloca problemas particularmente espinhosos; e nós só podemos ter uma visão da totalidade pensando em como a ciência e a tecnologia se ajustam com outros modos de que dispomos para dotar o universo de sentido.

Os antropólogos de campo coletaram vários cosmogramas, como símbolos religiosos e objetos, de culturas estrangeiras. Por muito tempo, a antropologia esteve interessada pela religião, o que não é estranho, uma vez que o surgimento da antropologia começou no mesmo momento em que se deu o declínio da religião no século XIX. Mas a religião “deles” muito frequentemente foi oposta à “nossa” ciência. Se estamos estudando o Ocidente, devemos pensar sobre cosmogramas irredutíveis àqueles claramente religiosos, como o Tabernáculo. Frequentemente dizemos que houve uma grande ruptura – que começou com a revolução científica e se realizou plenamente no século XIX – entre o conhecimento da natureza e o do resto da sociedade. A ciência tomou o lugar da religião. Porém, ao olhar os cosmogramas a partir dos pontos de bifurcação da nossa história, pode-se sugerir uma outra narrativa.

O New Atlantis, famoso texto de Francis Bacon, autor por vezes chamado de fundador do método científico e da observação empírica na Inglaterra do início do século XVII, é um outro cosmograma que atualmente se apropria e atualiza aspectos do Tabernáculo no Êxodo. Trata-se da história de um grupo de navegadores cristãos que se perdem no mar, mas conseguem desembarcar em uma ilha desconhecida. Eles são recepcionados por uma representante da “Casa de Salomão”, que esta usando roupas de linho nas cores vermelha, azul e violeta, as mesmas do Tabernáculo, e é carregada por um esquife decorado com cristal e ouro e com a imagem de um anjo tal como no propiciatório de Moises. Ela conta aos navegadores sobre todos os tesouros presentes em seu templo, a “Casa de Salomão”. Há todos os tipos de invenções, algumas das quais existiam na época de Bacon, mas que só puderam ser realizadas muito mais tarde: máquinas para produzir luz, máquinas voadoras, máquinas de guerra, freezers – em suma, um inventário, no estilo Júlio Verne, de todas as tecnologias que uma sociedade tecnocrática iria mais tarde inventar. O que vemos ao misturar a imagética bíblica com a retórica piedosa é que, para Bacon, esse santo patrono da revolução cientifica, a ciência não é oposta à teologia, mas é, ao contrário, uma reforma dentro da teologia. Observar o mundo empiricamente é um meio de adorar a Deus através da apreciação de seu trabalho. Desenvolver a tecnologia e as novas técnicas agrícolas, por exemplo, é um modo de realizar a caridade, de aumentar a dimensão frutífera da terra e de fazer com que mais pessoas possam compartilhar as bênçãos de Deus.

Por volta de 1800 em diante, a visão da natureza como uma grande máquina, um relógio mecânico que conhecemos através da grande divisa da objetividade, tornou-se dominante. O Principia Mathematica de Newton, atualizado pelo Mécanique Céleste de Laplace, foram cosmogramas nesse mesmo sentido, escritos em linguagem matemática. Tem-se aqui uma grande polarização entre a visão mecânica do mundo e o romantismo, que é frequentemente visto como uma reação contra a industrialização e o mecanicismo. As pinturas de Caspar David Friedrich são exemplos clássicos de cosmogramas que se ajustam a essa visão e estabelecem um vínculo simbólico entre o interior e o exterior, entre a luz (ao mesmo tempo como realidade e metáfora) e o ato de ver, mas numa forma individualista, e removida da sociedade e da tecnologia. Tomemos, por exemplo, a famosa pintura do homem vista de trás, deparando-se com um mar revolto: trata-se realmente do emblema de uma certa visão do sujeito romântico, e ela nos convida a nos identificar com ela, nos leva aos limites da razão, e nos mergulha numa dinâmica do mundo natural. Em outras pinturas de Friederich há cruzes, templos, ruínas de cemitérios, que colocam um certo tipo de sensibilidade humana numa relação especifica com a natureza, com a história humana e com a divindade. Porém, extirpada das (e em algumas leituras em negação à) ciência e (à) mecânica.

Mas essa polarização não é tão clara. De fato, na primeira metade do século XIX, encontramos vários projetos de reforma que poderíamos chamar de “mecanicismo romântico”, em que as pessoas veem a tecnologia e o maquinário industrial, o aço e a eletricidade embrionária, e novas máquinas de observação científica, como o Daguerreótipo, como meios para recriar a totalidade humana e natural, para superar divisões sociais, culturais e intelectuais, e para reunificar o mundo. Em meados do século XIX, Augusto Comte toma como ponto de partida a rejeição de todas as referências aos espíritos invisíveis, à metafísica, às coisas que não podemos ver. Mas, para Comte, na última parte de sua carreira, a ciência se torna uma ferramenta para construir uma sociedade global completamente unificada, nos moldes da igreja Católica. Esta é a religião da Humanidade. A sociologia não é de modo algum um estudo puramente teórico e desinteressado a respeito da sociedade; ao contrário, ela tem um chamado para transformá-la, reconstruindo, no modelo explícito da Igreja católica, um mundo unificado onde não há mais Deus, não há mais fé não testada – como o que existia na Idade Média e que foi finalmente destruído de uma vez por todas pela Revolução Francesa. A diferença é que as crenças não são mais estabelecidas por meio da autoridade, mas por intermédio da razão e da observação.

Em 1849, em seu Positive Cathecism, Auguste Comte criou os novos ritos para a era positiva da humanidade. Ele criou um conjunto de séries de cosmogramas cujo objetivo era a descrição da sociedade em sua totalidade, dividida em suas distintas classes e funções, nos moldes de todas as três ciências por meio das quais conhecemos os três diferentes pedaços de realidade, a biológica, a física, a astronomia, a completa história da espécie humana. Mas ele vai além: é um tipo de novo Tabernáculo que ele constrói, uma nova Arca da Aliança. Comte retoma, atualiza e se reapropria do imaginário cristão, mas para uma nova finalidade, uma vez que ele quer restaurar a unidade cosmológica em um mundo sem transcendência. O calendário positivista, esculpido na parede norte da biblioteca Sainte-Geneviève, é um formidável cosmograma. É apenas durante a Revolução francesa que, se você decide recriar a sociedade, você precisa começar do zero. O calendário positivista renomeia todos os dias da semana. Ele atribuía a cada mês um estágio essencial no desenvolvimento da sociedade humana até o presente: politeísmo, fetichismo, monoteísmo, feudalismo, metafísica, até o estado “normal” em que tudo está em construção, em oposição ao estado “patológico” da história recente. Por exemplo, há um festival das mulheres para a história da humanidade. Para Comte, a mulher representa a emoção, o lado afetivo da humanidade. Essa organização do tempo, portanto, essa refocalização da atenção, essa redistribuição social do crédito também toma parte em uma psicologia e em uma ética. Trata-se, com efeito, da parte da natureza de todos que é lembrada e honrada para reforçar a unidade do cosmos que o sistema descreve e cria. Os festivais nos lembram da história da sociedade, tornando visível as relações sociais atuais. O calendário, como a ciência aplicada que é a sociologia, é uma tecnologia para curar a sociedade contemporânea, trazendo-a de volta para o estado “normal”.

Essas preocupações de Comte podem parecer estranhas à luz do que nós pensamos amiúde como positivismo – em especial nos países anglófonos, onde isso frequentemente significa basear-se em observações empíricas e lógicas e rejeitar tudo como valores e fé no âmbito do conhecimento. Eu penso que essa má compreensão do positivismo está de mãos dadas com uma profunda má compreensão da sociedade ocidental que permanece entre nós. Há uma linha de pensamento bastante difundida que defende, em algum nível, que desde que dominamos os segredos do átomo, o código genético e os princípios da combinação e recombinação da matéria, nosso conhecimento se tornou potente porque foi rigorosamente separado de questões como moralidade, política – e a partir de então nós falamos sobre pesquisa científica como se esta estivesse desconectada das questões políticas e éticas. A despeito desses intermináveis argumentos e contra-exemplos, ainda há essa ideia de “ciência pura” que transcende totalmente todas as relações humanas. Contudo, se nós não queremos cair em todos os tipos de contradições e autodecepções, temos que reconhecer que estamos sempre em uma situação fundamental em que vige a necessidade de juntar tudo em um mundo comum. No início da industrialização, as pessoas diziam o seguinte: o Padre da Humanidade, Comte, ou o grande naturalista e cosmógrafo, Alexander Von Humboldt, ou o astrônomo François Arago, que tentaram unir o seu conhecimento social sobre a natureza, suas orientações éticas, sua ordem social em uma única representação, como nas cosmologias Dogon, como os fantoches balineses, como os xamãs jivaros.

Talvez devêssemos perguntar quais seriam os limites do conceito de cosmograma. Para além desses exemplos, há alguma forma de tipo ideal? E se nós tentássemos utilizar o conceito no presente, quais tipos de representações seriam adequadas para o mundo complexo e estranho com que nos deparamos agora? Aqui não posso ajudar, mas apenas pensar no trabalho de Melik Ohanian em conexão com aquele de Aby Warbug, em seu atlas Mnemosyne, a coleção de imagens que sugere tanto um conjunto de polaridades e fantasmas que habitam a mente moderna quanto como nós adaptamos antigas tradições a novos momentos – como ele diz em determinado momento, um meio de reconhecer e recuperar-se de nossa esquizofrenia cultural. Há inevitavelmente uma continuação com os projetos do Iluminismo, como a enciclopédia, a qual d’Alembert chama mapa mundi: cosmogramas podem ser inventários de tudo que existe e existiu, eles podem retraçar toda a história da humanidade; como nas novelas de Balzac, eles podem descrever uma história natural da sociedade. Porém, os românticos, com sua obsessão pelo fragmento, levaram-nos a perguntar se há algo que poderia não contar como um cosmograma. O fragmento nos remete de volta à totalidade; todo objeto que podemos encontrar é produto de uma infinidade de relações que vão muito além desse instante no tempo e no espaço.

Frequentemente em um cosmograma há um objetivo que vai além da mera descrição ou exposição: trata-se frequentemente da redescrição, na forma condicional ou no tempo futuro: não o mundo como ele é, mas como ele poderia ser. Pode haver uma intenção utópica, o objetivo de projetar novas possibilidades em um mundo que parecia fixo. Ou, para utilizar um exemplo recente, os romances mapas de Phillip K. Dick apontam para onde há ontologia escorregadia, onde há fissuras na realidade, fora da qual um novo e mais completo mundo pode emergir. Nesse sentido, os cosmogramas tem uma relação com o tempo que os ritos de passagem das sociedades têm: o tempo liminar em que as relações ordinárias são suspensas, no qual há frequentemente uma recreação simbólica do mundo e da sociedade ao mesmo tempo, tal como a formação da comunidade fora das estruturas sociais ordinárias. Depois da sequência ritual, os participantes voltam para um mundo transformado, com estruturas redefinidas, com o cosmos refeito: o espaço de possibilidades é novamente fechado. Os cosmogramas frequentemente guiam essa recriação e reestabilização do mundo. Eles talvez possam proclamar estruturas permanentes ou reconhecer a sua própria fluidez e a sua própria contingência.

É igualmente importante que todo cosmograma tente restituir as preocupações e ansiedades existenciais dentro de um quadro mais amplo do que o individual, o grupo social, a nação, o presente. Essa dimensão da realidade está sempre disponível: nós somos sempre parte de um sistema maior, mas nem sempre temos consciência disso. Os cosmogramas implicam uma ecologia. Não apenas no sentido usado pelos ecologistas, mas sobretudo no sentido que Gregory Bateson deu em seu livro, Steps to an Ecology of Mind. Bateson tem uma perspectiva anti-essencialista que assume a interdependência de todos os seres, conectando a ecologia no sentido biológico com a cibernética e com o que chamamos de história natural das ideias.

Igualmente importante é considerar os cosmogramas em comparação uns com os outros. Nós precisamos retomar do passado a ideia de que nossa sociedade não quer tais representações – que com a ciência moderna não precisamos mais lidar com símbolos, mas com as coisas como elas são. Nós atribuímos às ciências a capacidade de desconectar de todas as questões sociais e éticas. Nós podemos ter um entendimento de como certos domínios do conhecimento funcionam: conhecimento das estrelas, das propriedades de certas plantas, de Deus, da mágica, etc., mas nós não entendemos realmente como tornar explícita conexão entre todos esses domínios diferentes. A história da ciência e os science studies começaram a mostrar como as ciências estão sempre ancoradas em circunstâncias sociais específicas que apenas mais tarde são esquecidas ou apagadas. O que esses pesquisadores estão tentando fazer, e eu me sinto contente por poder me considerar como um dentre eles, é reconstituir todas essas conexões, essas situações sociais que tornam o “conhecimento autônomo” possível em um dado momento.

O trabalho pode ser, então, inventariar todos os distintos cosmogramas em circulação em um dado lugar e em um dado tempo e descobrir como eles são usados, como eles se relacionam uns com os outros, como eles contêm, substituem ou trabalham em acordo tácito – ou em hostilidade – com os outros. Com isso, torna-se possível comparar esse momento no tempo com episódios anteriores ou tardios. Indo além, o horizonte do que Lévi-Strauss chamou de “antropologia” em oposição à etnografia está sempre aí: a comparação de cosmogramas de mundos muito diferentes no tempo e no espaço. Em um nível superior, especialmente em uma exibição de arte internacional, precisamos colocar a seguinte questão: que tipo de cosmograma você extrai de todas esses cosmogramas locais díspares e por vezes conflituosos? Eu não sei grego o suficiente para dizer se a palavra “cosmos” tem uma forma plural. Porém, cosmograma pode definitivamente ser colocado no plural.

Paris, 28 de junho, 2004.

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