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NOTAS SOBRE A PANDEMIA – E-mail de Ghassan Hage aos seus orientandos

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EDITORIAL: O post de hoje é o primeiro da série “Notas sobre a pandemia”, a que o Blog do Sociofilo dá início neste período de quarentena e isolamento social. O objetivo é continuar com nosso propósito de divulgar conhecimento, mas nos adaptando à conjuntura delicada que vivemos. A Organização Mundial de Saúde declarou, no dia 11 de março, estado de pandemia em decorrência do espraiamento de nova variação do corona vírus (Sars-Cov-2), responsável pela doença Covid-19. O vírus espalhou-se rapidamente pelo mundo e tem provocado respostas das mais variadas, desde o pânico até a negação. Nós do Blog do Sociofilo reconhecemos a gravidade da pandemia e ressaltamos que, embora ela afete a todos nós, ela o faz de maneira diferente e desigual. Reconhecemos que é hora de valorizar e se engajar em diferentes formas de suporte, cuidado de si e dos outros, assistência e ajuda mútua. Junto a isso, também é hora de refletir criticamente sobre as respostas políticas institucionais que se manifestam, especialmente numa conjuntura marcada pela ignorância orgulhosa e pelo autoritarismo conservador. Em tempos como este, esperamos que nossos posts possam fazer companhia, confortar, afetar e instigar o pensamento.

Por Ghassan Hage
Tradução: Diogo Silva Corrêa

Prezados,
Albert Camus, em A Peste (aquele famoso romance sobre uma cidade árabe sem nenhum árabe nele ☺), faz um de seus personagens apontar que, porque o vírus está transformando todos os aspectos da vida das pessoas, mesmo que nem todos acabem carregando o vírus fisiologicamente, todos acabam carregando-o em seu coração e alma.

Eu não tenho certeza sobre você, mas esse é certamente o meu caso. Portanto, se como eu você está tendo problemas para se concentrar e passar um dia inteiro lendo e escrevendo sobre o seu projeto de pesquisa, aqui vão algumas dicas.

Como eu sempre sugeri, é realmente importante que você divida o seu dia em faixas horárias que funcionem para você, como um dia de trabalho padrão. Eu penso no meu dia de trabalho da seguinte forma: 8.30-10.30, 11.00-1.00, 2.00- 4.00, 4.30-6.30. Eu sigo isto religiosamente? Claro que não. Mas penso religiosamente nisto como a norma para voltar ao trabalho? Sim. Mesmo que não siga isso durante uma semana inteira, continuo a pensar nisso como a norma a que devo voltar.

Mas estou mais nervoso do que o normal neste momento. Portanto, encurtei a duração das minhas faixas de tempo. Achei útil porque junto com a ideia de ter faixas de tempo é a ideia de ter uma tarefa muito definida para terminar durante essa faixa de tempo.

Como você sabe, levantar de manhã e dizer “vou ler este artigo esta manhã” não costuma ser uma boa estratégia de trabalho. Dividir o artigo em seções e garantir que você leia e tome citações e notas, etc… dessa seção durante um horário específico é muito melhor.

Portanto, encurtei o meu horário de trabalho para uma hora e meia: 8.30-10.00, 10.30- 12.00, 1.00-2.30, 3.00-4.30, 5.00-6.30. e estou pensando em cada hora e meia como tendo três tarefas de meia hora para terminar. Isto ajudou-me muito, na verdade. As tarefas de meia hora estão realmente funcionando bem para manter toda a minha atenção focada fora de questões relacionadas ao Corona.

Não estou sugerindo que todos sigam o meu modo de organizar o dia. Mas eu definitivamente acho que você deve organizar o seu dia a partir do que você conhece sobre si mesmo, e assim criar períodos de trabalho mais curtos com tarefas mais curtas, que se adaptem ao momento atual. Você pode ser mais um trabalhador noturno do que um trabalhador matinal, etc… você pode trabalhar mais no final da semana, etc… mas você deve se esforçar, tanto quanto for humanamente possível, para criar uma rotina de trabalho com pequenas tarefas específicas para terminar – e tentar se ater a elas. Caso contrário, o coronavírus devorará toda a sua realidade sem que você sequer esteja doente.

Eu já pedi a alguns de vocês que fizessem isso antes. Penso que é ainda mais imperativo fazer isto agora: manter um diário dos vossos dias e faixas horárias. Algo como isto:

Segunda-feira:
8.30-10.00: leia da página 1 à página 10 deste artigo. Tome muitas notas.
10.30-12.00: leia da página 10 à página 30. Artigo terminado. Mais notas
1.00-2.30: escrevi algumas notas e reordenei o quadro conceptual da minha tese.
3.00-4.30: não funcionou como planejado. Estava com sono e apenas preguiçoso
5.00-7.00: leitura de…

Na terça-feira:
8.30 – 10.00: Etc…
10.30- 12.00 fui fazer algumas compras essenciais e por isso não funcionou
etc…

Na quarta-feira:
8.30-12.00: fiz um trabalho remunerado…

É crucial não mentir para si mesmo sobre procrastinações, olhando para uma página em branco como um zumbi durante uma hora, e assim por diante.

O propósito deste diário nunca deve ser o de se fazer sentir culpado (ou talvez um pouco de culpa seja ok e produtivo, mas a educação neoliberal trabalha com a propagação da culpa, então essa é a última coisa para a qual queremos contribuir). Portanto, não à culpa, mas sim à construção de uma ferramenta que permita refletir e ter uma noção realista do que se consegue em uma semana de trabalho. Semana após semana. Envie-me o seu diário a cada quinze dias e podemos falar sobre isso.

Tudo de bom e espero vê-lo no skype mais cedo ou mais tarde.
Ghassan Hage

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