Denis Colombi, Pourquoi sommes-nous capitalistes (malgré nous)? Dans la fabrique de l’homo œconomicus, Payot [Por que nós somos capitalistas (a despeito de nós mesmos)? Na fábrica do homo oeconomicus, Payot
Fabien Eloire (Universidade de Lille)
Tradução Diogo Silva Corrêa
Tradução da resenha de Fabien Eloire: Denis Colombi, Pourquoi sommes-nous capitalistes (malgré nous)? Dans la fabrique de l’homo œconomicus, Payot. Texto origanlmente em frânces em La vie des Idées, 2022.
Desde o nascimento do capitalismo no século XIX, inúmeras obras, desde o Capital de Karl Marx até o Capital no século XXI de Thomas Piketty, fizeram dele objeto de estudo, reflexão e debate. Publicado em janeiro de 2022, o livro de Denis Colombi é, portanto, parte de uma longa linha de obras e não hesita em retomar um tema sobre o qual muito quase não tudo parece ter sido dito. Nele, o autor não apresenta pesquisas originais com novos dados empíricos, como muitos sociólogos fazem. Para lidar com o seu tema, Colombi escolhe o formato de um ensaio. Desde o título, ele coloca uma pergunta um tanto provocadora que pretende desafiar e sobretudo interpelar o seu leitor: “Por que somos capitalistas?”, uma pergunta que ele então se apressa em nuançar com um “(a despeito de nós mesmos)”. Para responder à sua pergunta, ele define o capitalismo como uma forma particular de organização da esfera econômica (p. 15). No entanto, ele enfatiza que o capitalismo não deve ser limitado aos mercados, empresas, propriedade privada dos meios de produção, pois também reside em um comportamento particular que consiste na busca pelo lucro em benefício próprio, que não se limita aos ricos, aos patrões ou aos financiadores. Além disso, Colombi se baseia em seu conhecimento detalhado da literatura sociológica que, por décadas, tem procurado descrever a nossa sociedade ocidental sob todos os ângulos.
Jogando Monopoly, o capitalismo cotidiano
O problema enfrentado não é pequeno e aqui se trata simplesmente de entrar na “fábrica do homo œconomicus”. Quinze anos após o ensaio de Christian Laval intitulado L’homme économique. Essai sur les racines du néolibéralisme (NRF Essais, Gallimard, 2007), a originalidade do livro de Denis Colombi é que ele não se baseia, como seu predecessor, numa releitura dos grandes pensadores do liberalismo, de Mandeville a Adam Smith, passando por Jeremy Bentham, mas no trabalho dos sociólogos contemporâneos sobre a escola, o trabalho e as desigualdades. Ela também se baseia nas muitas conquistas da sociologia econômica, que tem sido amplamente renovada desde os anos 1980, através de reflexões sobre o mercado, os preços, o Estado e as empresas. O ensaio, tanto na forma quanto no conteúdo, é, no entanto, direcionado ao público em geral. Émile Durkheim, Max Weber, Karl Polanyi e Pierre Bourdieu são todos mobilizados, sempre de forma pertinente, ao lado das séries Star Trek e Black Mirror, do filme O Lobo de Wall Street e do jogo de tabuleiro Monopoly (p. 17), que serve como um fio condutor comum ao longo do livro.
Para dar conta do tema abordado, o uso de numerosas referências à cultura popular ocidental não é incongruente, pelo contrário. Por que nós somos capitalistas? Porque nele estamos imersos em nosso cotidiano, tanto através de nossas atividades profissionais como de lazer. Dizer que o capitalismo é um regime econômico específico seria efetivamente redutor. Após mais de duzentos anos de existência, ele também se tornou uma cultura no sentido amplo, em todos os seus componentes, um modo de vida, uma ideologia (p. 86). O capitalismo atravessa todas as esferas da sociedade, o mundo do trabalho e da política, mas também da infância, da educação e da família. O capitalismo tornou-se um fato social total, segundo a expressão de Marcel Mauss; e é isso que Denis Colombi se propõe a demonstrar passo a passo, e sobretudo “de baixo”. Enquanto muitos trabalhos de ciências sociais tentam descrever e analisar o sistema capitalista e seus efeitos em uma escala macro, o autor opta por tratar do assunto pelo outro lado e partir de nossos comportamentos individuais a fim de explicar em que eles são impregnados pelo capitalismo, e isso “a despeito de nós mesmos”.
A socialização econômica, amoldamento do homo œconomicus
O ensaio é dividido em cinco capítulos. O primeira descreve em que consiste o comportamento capitalista: racionalizar, maximizar, buscar lucro. Ele mostra a artificialidade desse comportamento, mesmo sendo comumente apresentado como natural do homem. O homo oeconomicus é uma fábula, um ser irrealista, até imoral e repugnante, mas quem hoje negaria que uma parte do comportamento dele está presente em cada um de nós?
O segundo capítulo é dedicado ao trabalho, e mais precisamente à forma como nós o consideramos. Denis Colombi pergunta “por que nos levantamos pela manhã” e mostra como a força da ideologia nos engloba e nos incita, em todos os estratos da divisão do trabalho, a colocá-la como um valor moral essencial e como um princípio de justiça capaz de justificar as desigualdades econômicas.
O terceiro capítulo vai ainda mais fundo no coração do funcionamento do capitalismo. São os processos de socialização que explicam o “apesar de nós mesmos”. De fato, os comportamentos capitalistas não são naturais, eles são aprendidos, o que faz o autor dizer que “se agimos de acordo com o capitalismo é porque fomos formados para isso” (p.150). Esta socialização econômica produz disposições ao cálculo e convida a uma consciência precoce do dinheiro e das desigualdades econômicas, e a ver o mundo como inteiramente calculável.
O quarto capítulo é dedicado à forma como estamos imersos no capitalismo, através da frequentação de sua instituição central, o mercado, que disciplina nosso comportamento. Pois “não há como escapar do mercado” (p. 221), cujas regras do jogo o Estado estabelece. De fato, trata-se de uma das grandes conquistas da sociologia econômica essa de ter abolido a separação entre o público e o privado, entre o Estado e o mercado, especialmente nos anos 1980, quando o neoliberalismo se tornou a ideologia das classes superiores e da tecnocracia. O mercado assim aparece como ele é: uma organização econômica historicamente situada e favorável ao desenvolvimento do capitalismo. O que a doutrina neoliberal produz é a extensão dos mercados. Mas estudos históricos também mostram que não existe um, mas vários capitalismos, sendo o mais recente aquele caracterizado pela financeirização da economia, através do poder dos acionistas sobre as empresas, mas também aquele caracterizado pelo poder da sociedade, através da financeirização da vida cotidiana pela generalização do acesso aos bancos, ao crédito ou aos mercados financeiros.
Em direção a uma mutação do capitalismo, uma ‘realidade plástica’?
O quinto capítulo só pode tirar uma conclusão fatalista: diante dos mecanismos que produzem nosso comportamento econômico, “estamos condenados a ser capitalistas” (p. 286). No entanto, Denis Colombi se esforça para pensar o “próximo passo”. Vários cenários podem então ser pensados, várias “provas” como diria a sociologia pragmática, podem afetar o capitalismo. Primeiramente, o cenário do status quo e a continuação do sistema tal como ele é. Essa trajetória parece bastante improvável devido à crise ecológica e à finitude do nosso planeta, o que contradiz a busca infinita pelo lucro. O segundo cenário é o da superação do capitalismo e o de seu desaparecimento. Mas dois obstáculos tornam este caminho incerto: por um lado, a história tem mostrado que as revoluções são processos de longo prazo e que os indivíduos não podem ser dessocializados-ressocializados da noite para o dia; por outro lado, não há (ainda) nenhuma “utopia realista” que seja suficientemente poderosa e compartilhada para propor um sistema substituto (mesmo se o salário vitalício possa ser visto como uma tentativa). Enfim, o terceiro cenário, sem dúvida o mais provável, é o de uma nova mutação do capitalismo, como foi o caso várias vezes em sua história.
O capitalismo é uma “realidade plástica” (p. 295), assim como o nosso comportamento econômico. Entretanto, esperar que os indivíduos mudem seu comportamento e deixem de se comportar como capitalistas é uma via impossível. Como mostra todo o raciocínio “por baixo” de Denis Colombi, os indivíduos são mais agidos do que agem. Eles podem, é claro, tomar consciência do que estão fazendo e se transformar (que é o que este ensaio acredita). Mas enquanto as instituições sociais e econômicas continuarem, notadamente através do Estado, a ser organizar na forma de um mercado que implica que os indivíduos façam escolhas autointeressadas, o homo œconomicus continuará a ter um belo futuro pela frente… Então… “o que fazer com o capitalismo” (p. 303) e que lugar dar aos mercados?
Escantear o capitalismo, (re)construir a sociedade
O capitalismo financeiro atual e os comportamentos econômicos que ele promove (especulação, procura do lucro pelo lucro) podem ser considerados, sociologicamente falando, em termos de “desvio” (p. 311). De fato, eles perturbam o cotidiano de milhões de pessoas e o ecossistema planetário. Não é possível, então, se decidirmos deixá-los estar como estão, fazer com que eles perturbem a vida dos outros o mínimo possível? A questão então é se perguntar que lugar dar ao comportamento capitalista. Pois o autor nunca deixa nuançar seu propósito. Se nossos comportamentos são capitalistas, eles não os são por integralmente, mas apenas até um certo grau. Os indivíduos estão assim submetidos a uma socialização plural que os leva a integrar outros valores além dos do cálculo e da maximização, quer pensemos na lógica da dávida-contra-dádiva, da ajuda mútua, da amizade ou das solidariedades mais amplas, que não são menos importantes para a (re)fazer a sociedade.
Finalmente, o ensaio de Denis Colombi faz bem o seu trabalho de dar conta de seu tema. Diante do processo em curso de transformação do capitalismo, ele consegue abrir os nossos olhos para nosso comportamento cotidiano, ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre o que está por vir. O texto é, antes de tudo, fácil de ler e pedagogicamente escrito. Ele nunca é teórico, e se limita a definir em poucas linhas claras os conceitos que utiliza. Ele privilegia sobretudo a demonstração pelo exemplo. Para o especialista na literatura da sociologia econômica, essa leitura não oferece nenhum valor agregado especial. O autor não fornece nenhum resultado novo de pesquisa. Por outro lado, para o leitor que deseja ser apresentado a essa corrente de pensamento que é sociologia econômica, e aos seus autores seminais, tais como Mark Granovetter, Neil Fligstein, Jens Beckert, Lucien Karpik ou Michel Callon, o livro oferece uma síntese real, tanto detalhada quanto viva, de obras que colocam um olhar original sobre a economia. E ele também fornece uma perspectiva interessante sobre toda essa literatura, mostrando o interesse e alcance que ela possui para se entender a economia contemporânea e se seu poder, mas também nosso comportamento econômico capitalista em todos os seus excessos e absurdos (a despeito de nós mesmos).
Para citar este texto: ELOIRE, Fabien. Capitalismo plástico. Por que nós somos capitalistas (a despeito de nós mesmos)? Na fábrica do homo oeconomicus, Payot. Tradução de Diogo Corrêa. Blog do Labemus, 2022. [Publicado em 22 de agosto de 2022]. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2022/08/23/capitalismo-plastico-por-que-nos-somos-capitalistas-a-despeito-de-nos-mesmos-na-fabrica-do-homo-oeconomicus-payot-por-fabien-eloire/
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