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Bruno Latour (1947-2022), por Tim Howles

Tradução Diogo Silva Corrêa

Diante da notícia da desaparição de Bruno Latour, ocorrida ontem, nós, do Labemus, resolvemos publicar a síntese que Tim Howles, em seu twitter, fez acerca da trajetória biográfica e intelectual do pensador francês. Howles é Junior Research Fellow em Teologia Política na universidade de Oxford e recentemente publicou o livro The Political Theology of Bruno Latour.

“1. É com grande tristeza que tomamos conhecimento da notícia do falecimento de Bruno Latour hoje. Ele era um gigante intelectual, um amigo e alguém cujo trabalho me inspirou muito. Um fio (thread) para aqueles que querem saber mais sobre essa vida extraordinária.

2. Para entender Latour, você tem que começar em um vinhedo. Ele nasceu em 1947 na Maison Louis Latour, no distrito de Bourgogne. É claro, a viticultura é um amálgama complexo do social e do natural. Este se torna o motivo de seu trabalho. https://t.co/lB5Re7mjsu

3. Latour frequentou uma escola jesuíta em Paris. A religião continuará sendo importante para ele, tanto confessionalmente quanto analiticamente. “Eu sou um católico romano professo”, declara ele. Sua pesquisa de doutorado incluiu trabalhos sobre o místico católico Charles Péguy e o estudioso bíblico alemão Rudolf Bultmann.

4. Um projeto de pesquisa inicial em Abidjan, Costa do Marfim, sobre relações trabalhistas entre marfinenses nativos e donos de fábricas francesas, também foi crucial; aqui ele começou a ver as relações assimétricas de poder codificadas dentro das administrações supostamente “neutras” da França (pós-colonial).

5. Daqui, Latour começou a trabalhar em laboratórios científicos na Califórnia e em outros lugares sobre a sociologia da ciência, mostrando como os cientistas cuidadosamente “compõem” seus resultados, reunindo “aliados”, tanto humanos quanto não humanos, em cadeias de referência que nos mostram a realidade.

6. Isso resultou em uma série de estudos: “Laboratory Life” (1979) & Science in Action” (1983). Estes livros nos mostraram que epistemologia = ontologia, e vice versa. Não há veridição científica que caia do céu: a verdade é o que é progressivamente composto por atores.

7. Esses textos foram a base para o envolvimento posterior de Latour no campo interdisciplinar da “Actor-Network Theory” (ANT). Mas, para aqueles que buscavam uma meta-teoria, ele apontaria 3 questões potenciais: o “A”, o “N”, o “T” [formiga, em inglês] e o hífen. Tal era a sua humildade.

8. Latour é o grande filósofo da “imanência transcendente”, de uma realidade que é fiel à soma de suas partes. Ele dá sem cessar voz aos atores em proliferação que ocupam nosso mundo, humano e não-humano. Uma vez ele me disse: “detalhes, meu jovem, sempre mais detalhes”.

9. Entre os meus livros favoritos estão aqueles que aplicam sua visão metafísica a situações concretas e vividas. “Aramis” (1993), “The Making of Law” (2002) e (o meu favorito de todos): o extraordinário estudo fotojornalístico da cidade de Paris (1998).

10. Seu trabalho mais conhecido (na esfera anglófona) é “We Have Never Been Modern”, publicado em francês em 1991 e em inglês dois anos mais tarde, em que Latour estende essas idéias para uma análise de toda a estrutura ideológica da sociedade ocidental.

11. (para um breve resumo deste texto, veja minha entrevista aqui: https://podcasts.apple.com/my/podcast/we-have-never-been-modern-with-tim-howles/id1437997652?i=1000542237556)

12. A partir do início dos anos 2000, Latour começou a aplicar essa rica visão filosófica à situação da crise ambiental contemporânea. Isso resultou nos livros “Politics of Nature” (2006) e, crucialmente, em “Facing Gaia” (2016).

13. Nesse momento, Latour trouxe um novo frescor ao pensamento sobre as interações homem-natureza, incluindo o conceito de Gaia como uma forma de descrever as complexas, delicadas e interconectadas relações que existem entre as entidades vivas e os ambientes físicos em que elas habitam.

14. Ele argumentou que os humanos devem a entender a si mesmos como estando inseridos dentro de nosso sistema planetário, trabalhando em coordenação e sincronização com seus mecanismos, ao invés de perceberem a si como equipados para direcionar ou manipular tais mecanismos a partir do exterior.

15. Assim, para Latour, nada menos que uma mudança em direção a uma “política gaiana” será necessária se a sociedade global quiser desenvolver as sensibilidades e valores ecológicos necessários para enfrentar a atual crise ambiental e garantir um futuro sustentável para todos.

16. Para mais informações sobre esse ponto, veja minha entrevista sobre “Facing Gaia” aqui, e também esse alegre e terno relato de um encontro que o próprio Latour teve com um de seus próprios heróis intelectuais, James Lovelock.

https://podcasts.apple.com/us/podcast/bruno-latours-facing-gaia-with-tim-howles/id1437997652?i=1000580933133

https://lareviewofbooks.org/article/bruno-latour-tracks-down-gaia/

17. Latour aplicou esse “pensamento gaiano” à situação da política contemporânea (incluindo Brexit, Trump & a pandemia) em “Down to Earth” (2017), o maravilhoso “After Lockdown” (2021) e o recente “Memo on the New Ecological Class” (2022).

18. Sua obra prima filosófica, o muito negligenciado e substancial texto “An iniquiry into modes of existence” (2013), incorpora todos esses insights em “uma antropologia dos modernos”.

19. Tudo isso culmina em seu apelo para que renovemos a atenção às delicadas e frágeis interconexões que nos unem, nunca procurando entregar a responsabilidade pela manutenção do “mundo comum” a outra pessoa ou conceito.

20. Bruno Latour foi um grande pensador e um ser humano bondoso e generoso (veja a história do meu primeiro encontro com ele durante um café em Londres aqui: https://logisticsofreligionblog.wordpress.com/2020/06/16/lesser-known-pieces-by-latour-on-religion-and-spirituality-part-1/). Nós nos lembraremos de sua vida com gratidão e procuraremos levar adiante sua visão de um mundo no qual todos possamos viver em paz”.

3 comentários em “Bruno Latour (1947-2022), por Tim Howles

  1. A Feitosa

    Obrigado.

  2. Diego Silva

    Que linda trajetória. Sua força segue em nós, pesquisadores.

  3. Que grande legado! Obrigada Labemus.

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