Por John Dewey
Tradução Diogo Silva Corrêa
As críticas feitas a esse movimento vital, mas ainda não formado, que, dependendo do aspecto enfatizado, é alternadamente chamado de empirismo radical, pragmatismo, humanismo ou funcionalismo, finalmente me convenceram de que a diferença fundamental não está tanto nas questões discutidas abertamente, mas em um pressuposto que permanece implícito: um pressuposto relacionado ao que é e o que significa a experiência. Para dar minha pequena contribuição ao esclarecimento dessa confusão, tentarei explicitar o meu próprio pressuposto. O objetivo deste artigo é, portanto, definir o que acredito ser o postulado e o critério do empirismo imediato[1].
O empirismo imediato postula que as coisas – tudo, cada coisa, no sentido comum ou não técnico da palavra “coisa” – são o que são experimentadas enquanto tais. Portanto, se alguém quiser fazer uma descrição precisa de alguma coisa, terá de dizer como ela é experimentada. Se quisermos descrever um cavalo, ou se quisermos definir equus, cabe ao negociante de cavalos, ao jóquei, ao educado pai de família que quer uma montaria “segura”, ao zoólogo ou ao paleontólogo nos dizer que tipo de cavalo eles estão experimentando. Mesmo que suas descrições divirjam em alguns aspectos, assim como concordem em outros, isso não é motivo para presumir que o conteúdo de uma delas seja o único “real”, enquanto o das outras seja “fenomenal”. Pois cada descrição do que é experimentado irá manifestar que se trata da descrição do negociante de cavalos ou do zoólogo e, assim, fornecerá as condições necessárias para que alguém compreenda as diferenças, bem como as concordâncias, entre as diferentes descrições. E o princípio não muda nem um pouco se falarmos do cavalo do psicólogo, do cavalo do lógico ou do cavalo do metafísico.
Em cada caso, o cerne do problema é saber que tipo de experiência está sendo significada ou indicada: uma experiência concreta e determinada que, se difere de outras experiências, difere de acordo com elementos reais específicos e que, se concorda, concorda com elementos reais específicos, de modo que há um contraste não entre uma Realidade e as múltiplas aproximações fenomenais da Realidade ou suas múltiplas representações fenomenais, mas entre diferentes elementos reais da experiência. E, desse ponto de vista, o leitor deve ser lembrado que, quando falamos de “uma experiência” ou de “algum tipo de experiência”, sempre queremos dizer “uma coisa” ou “uma coisa desse tipo”.
Ora, tal afirmação, de que as coisas são o que são experimentadas enquanto tais, é geralmente traduzida na outra afirmação de que as coisas (ou, em última instância, a Realidade, o Ser) são pura e simplesmente como são conhecidas, ou que a Realidade é o que é para um sujeito cognoscente e conhecedor – a questão de se esse sujeito conhecedor deve ser concebido como um ser que percebe ou como um ser que pensa é uma questão subsidiária. Esse é o paralogismo que está na raiz de todos os idealismos, sejam eles subjetivos ou objetivos, psicológicos ou epistemológicos. De acordo com nosso postulado, as coisas são como são experimentadas enquanto tais; e, se conhecer não é a única e verdadeira forma de experimentar, é falacioso afirmar que a Realidade é única e exclusivamente o que é ou seria para um sujeito cognoscente onipotente e onisciente, ou mesmo que é, de forma relativa e fragmentária, apenas o que é para um sujeito cognoscente finito e parcial. Em outras palavras, e para colocar as coisas de forma mais positiva, conhecer é um certo modo de experimentação, e o primeiro requisito filosófico (do ponto de vista do empirismo imediato) é identificar que tipo de experiência é conhecer – como as coisas são concretamente experimentadas enquanto tais, quando são experimentadas como coisas que são conhecidas[2]. Por “concretamente”, quero dizer, é claro (entre outras coisas), que a descrição da experiência das coisas enquanto coisas conhecidas terá de trazer à tona as características e distinções que elas possuem em virtude de serem coisas de uma experiência de conhecimento, e não como coisas experimentadas esteticamente, moralmente, economicamente ou tecnologicamente. Só porque, do ponto de vista da experiência do conhecimento, as coisas são como são conhecidas, não devemos presumir que, metafisicamente, de forma absoluta e sem qualificação adicional, qualquer coisa considerada em sua realidade (em oposição a suas “aparências” ou manifestações fenomenais) é o que um sujeito conhecedor encontraria. Do ponto de vista do empirismo imediato, essa é, se não a raiz, pelo menos uma das principais raízes de todos os males filosóficos, uma vez que não leva em conta a maneira pela qual o ponto de vista do conhecimento é experimentado.
Por exemplo, sou perturbado por um barulho que ouço. Empiricamente, esse barulho é assustador. Ele realmente é, e não apenas o é de um ponto de vista fenomenal ou subjetivo. Ele é isso que ele é em minha experiência. Mas quando experimento o barulho como uma coisa conhecida, descubro que ele é inofensivo. Ele é como uma persiana batendo na janela em razão do vento. A experiência mudou; ou seja, a coisa que está sendo experimentada mudou – não é que algo real tenha substituído algo irreal, ou que uma Realidade transcendental (não experimentada) tenha mudado[3], ou que a verdade tenha mudado. É simplesmente que a realidade concreta experimentada mudou. Agora sinto vergonha do meu susto, e o barulho assustador se transformou no barulho de uma persiana, com pouco ou nenhum efeito sobre meu estado de espírito. Essa é uma mudança em uma realidade experimentada, uma mudança que foi efetivada por meio da cognição. O conteúdo da última experiência é certamente mais verdadeiro do que o da primeira, mas não é de forma alguma mais real. Para chamá-la de “mais verdadeira”, é preciso haver, de um ponto de vista empírico, uma diferença concreta nas coisas reais experimentadas[4]. Repito que, em muitos casos, é apenas em retrospecto que a primeira experiência é considerada do ponto de vista da cognição. Nesses casos, a qualificação “mais verdadeira” só é relevante em relação ao contraste ao conteúdo de uma experiência subsequente.
Alguns leitores podem objetar que, na realidade, toda a experiência é cognitiva, mas que seus primeiros momentos foram apenas imperfeitamente cognitivos, de modo que o fenômeno não era real; enquanto seu último momento, sendo uma cognição mais completa, resulta em algo que é, pelo menos relativamente, mais real[5]. Em suma, um crítico poderia argumentar que, quando me assustei com o barulho, eu sabia que estava assustado; caso contrário, não teria havido nenhuma experiência. Aqui é preciso fazer uma distinção tão simples e, no entanto, tão absolutamente fundamental que o leitor, receio, ficará tentado a descartá-la com desdém, tratando-a como uma distinção puramente verbal. Mas ver que, para o empirista, não se trata de uma distinção verbal, mas real, é uma condição necessária para que você possa entendê-lo. De acordo com seu postulado, o empirista imediato deve perguntar o que é a experiência do susto enquanto tal. O que é realmente experimentado, eu-sei-que-estou-assustado ou “eu-estou-assustado”? Não vejo absolutamente nenhuma razão para afirmar que a experiência deve ser descrita de acordo com a primeira fórmula. Com toda a probabilidade (e tudo o que o empirista precisa, do ponto de vista lógico, é de um único caso desse tipo), a experiência é pura e simplesmente um susto-com-o-barulho. Mais tarde, alguém pode (ou não) ter uma experiência descritível como a de um “eu-sei-que-estou” (ou estava), sem motivo (ou com motivo), assustado. Mas essa é uma experiência diferente – ou seja, uma coisa diferente. E se o nosso crítico continuar argumentando que a pessoa realmente deve ter sabido que estava assustada, eu só preciso dizer que ele está mudando a pergunta. Ele pode estar certo, mas, se estiver, é apenas porque o “realmente” é algo que não é experimentado concretamente (é, portanto, problema de o crítico explicar sua natureza para nós); e isso é afastar-se do ponto de vista do empirista, atribuindo a ele um postulado que ele expressamente repudia.
O ponto essencial pode se tornar mais claro se eu disser que devemos distinguir entre uma coisa como cognitiva e como conhecida [cognized][6]. Eu definiria uma experiência cognitiva como aquela que tem certas relações e implicações que levam a uma experiência subsequente na qual elas encontram sua plena realização, e na qual a coisa relevante é experimentada como conhecida, como um objeto de conhecimento, e é assim transformada ou reorganizada. O susto-em-razão-do-barulho, no caso citado, é obviamente cognitivo, nesse sentido. Por hipótese, ele leva a uma investigação, uma investigação na qual tanto o barulho quanto o susto são observados ou apresentados objetivamente – o barulho da persiana e o susto como uma reação orgânica a um estímulo acústico repentino, uma reação que, dadas circunstâncias, foi inútil ou até mesmo prejudicial, uma má-adaptação. É claro que quase toda a nossa experiência é desse tipo (o significando do “e”, é claro, é experimentado como), e o empirista não está sendo fiel ao seu princípio se não observar devidamente esse fato[7]. Mas ele também não será fiel ao seu princípio se se deixar enganar a respeito da diferença concreta entre as duas coisas experimentadas.
Há duas pequenas palavras cuja explicação pode evidenciar a posição do empirista: “como” e “isto” (what). Podemos expressar seu pressuposto dizendo que as coisas são como são experimentadas; ou que descrever uma coisa adequadamente é dizer esta (what) coisa na experiência que temos dela. Por esses termos, refiro-me à qualidade concreta, absoluta, final, irredutível e insuperável de que cada coisa experimentada é, ainda mais do que tem. Para entender esse aspecto do empirismo é preciso compreender o que o empirista quer dizer com objetividade, com o elemento de controle, um princípio de direção e seleção, o elemento normativo e padrão na experiência. Suponha que tomemos, como uma experiência crucial para o empirista, um caso impressionante de ilusão: por exemplo, as linhas de Zöllner. Elas são experimentadas como convergentes, mas são na verdade paralelas. Se as coisas são como são experimentadas, como podemos distinguir entre a ilusão e o que é realmente o caso? Não há resposta para essa pergunta, exceto para dizer que a experiência de linhas como divergentes é uma coisa qualitativa concreta ou isto [that]. É esta [that] experiência que é, e nenhuma outra. E se o leitor protestar contra a repetição de uma tautologia tão óbvia, só posso repetir que a compreensão do significado dessa tautologia fornece a chave para toda a questão da objetividade da experiência que surge para o empirista. As linhas dessa experiência não parecem apenas divergir: elas são divergentes. A questão da verdade não consiste em perguntar se o Ser ou o Não-Ser, a Realidade ou a mera Aparência são experimentados/experienciados, mas em perguntar sobre o valor da coisa que é experimentada concretamente. A única maneira de prosseguir com essa questão é aderir o mais resolutamente possível a esta experiência como real. Esta experiência é o fato de que duas linhas cruzadas diagonalmente são apreendidas como convergentes. É somente tomando essa experiência como real e totalmente real que ter-se-á uma base e uma maneira de avançar em direção ao conhecimento, fruto da experiência, de que as linhas são paralelas. É na coisa concreta, tal como ela é experimentada, que encontramos todas as bases e pistas para nossa própria retificação intelectual ou lógica. É porque essa coisa, que é retrospectivamente julgada como falsa, é um isto concreto, que ela se desenvolve em uma experiência corrigida (ou seja, na experiência de uma coisa corrigida – reformamos as coisas assim como reformamos a nós mesmos ou corrigimos uma criança), uma experiência cujo conteúdo inteiro não é nem um pouco mais real, mas que é experimentado como verdade ou mais verdadeiro[8].
Se existe alguma experiência, então ela é uma experiência determinada. Essa determinação é o único e adequado princípio de controle ou “objetividade”. A experiência pode ser muito vaga. Talvez eu não veja nada que possa identificar como um objeto familiar – uma mesa, uma cadeira e assim por diante. Pode ser que esteja escuro. Talvez eu tenha apenas uma impressão muito vaga de que há algo que se parece com uma mesa. Ou posso estar desorientado, na escuridão total, como se eu acordasse e me levantasse imediatamente em um quarto sem luz. Mas essa imprecisão [vagueness], essa incerteza e essa confusão é a coisa experimentada e, qua reais, é realidade tão “boa” quanto a autoevidência da visão de um Absoluto. Não se trata apenas de imprecisão, incerteza e confusão em geral. É esta imprecisão e nenhuma outra: absolutamente única, absolutamente o que isto é[9]. Qualquer que seja o ganho em clareza, plenitude na verdade do conteúdo que é experimentado, ele deve se desenvolver a partir de elementos contidos nesta experiência, experimentado como é. Para voltar à ilusão: se a experiência de linhas percebidas como convergentes é ilusória, isso se deve apenas a elementos da coisa como ela é experimentada, e não a algo que seria definido por sua exterioridade a essa experiência específica. Se o caráter ilusório pode ser detectado, é porque a coisa que está sendo experimentada é real e contém em sua realidade experimentada elementos que estão em tensão uns com os outros, fazendo com que ela seja reconstruída. Em termos concretos, a experiência de linhas convergentes contém em si os elementos para a transformação de seu próprio conteúdo. É esta coisa, e não uma verdade separada, que clama por sua própria correção. Portanto, não há necessidade, do ponto de vista do empirista, de procurar um istooriginal a que todas as experiências sucessivas estariam ligadas e que, portanto, de uma forma ou de outra, passaria por mudanças contínuas. A experiência é sempre de istos [thats]. E a experiência mais abrangente e inclusiva do universo que o próprio filósofo pode obter nunca é outra coisa senão a experiência de um “isto” específico. Do ponto de vista do empirista, isso é tão verdadeiro para a visão total e completa de um sujeito hipoteticamente onisciente quanto para a experiência vaga e cega de quem está dormindo e acabou de acordar. No que diz respeito à realidade, essas duas experiências estão no mesmo nível. No que diz respeito à verdade, a última vence por definição. Mas se esse insight é, de alguma forma, a verdade do de quem está dormindo e acabou de acordar, é porque este última contém, em seu próprio quale determinado, elementos que estão em continuidade real com a primeira. Por hipótese, ela pode ser transformada sem uma quebra de continuidade, por meio de uma série de realidades experimentadas, na experiência de pensamento absoluto. Para efetuar essa transformação, não há necessidade qualquer manipulação lógica, nem nenhuma consideração lógica poderia efetuá-la. Se ela é efetuada, é apenas por meio de experiências imediatas, cada uma das quais é tão real (nem mais nem menos) do que cada um dos dois termos sobre os quais repousa. Esse, pelo menos, é o significado da tese do empirista. Portanto, quando ele fala de experiência, ele não está se referindo a algo grandioso e distante, que é lançado como uma rede sobre a sucessão de experiências fugazes; nem a uma experiência total e indefinida, que inclui tudo e, de alguma forma, estrutura um fluxo interminável. O que ele quer dizer é que as coisas são como são experimentadas, e que toda experiência é alguma coisa.
A partir do postulado do empirismo, então (ou, o que equivale à mesma coisa, a partir de uma consideração geral do conceito de experiência), nada pode ser deduzido, nem uma única proposição filosófica[10]. O leitor pode concluir que tudo isso se resume ao truísmo de que a experiência é a experiência, ou que ela é o que é. Se você quiser tirar conclusões apenas do conceito de experiência, está certo. Mas o verdadeiro significado do princípio é que ele é um método de análise filosófica – idêntico em natureza ao do cientista, mas diferente em seus problemas e, portanto, em suas operações. Se você quiser saber o que “subjetivo”, “objetivo”, “físico”, “mental”, “cósmico”, “psíquico”, “causa”, “substância”, “finalidade”, “atividade”, “mal”, “ser”, “qualidade” – em suma, qualquer termo filosófico – significa, vá e observe a experiência para descobrir como a coisa é experimentada enquanto tal.
Esse método não é espetacular. Ele não fornece uma demonstração definitiva de Deus, liberdade, imortalidade ou da realidade exclusiva da matéria, ideias ou consciência etc. Mas ela fornece uma maneira de dizer o que todos esses termos significam. Isso pode parecer insignificante ou assustadoramente decepcionante, mas apenas sob a condição de que não seja trabalhado. Acredito que as concepções filosóficas já passaram da idade de serem estimulantes para nossas emoções ou espécies de sanções; e que uma carreira maior, mais frutífera e mais útil as aguarda se pensarmos nelas como significados especificamente experimentados.
Nota
A recepção deste ensaio provou que eu estava excessivamente otimista de que minha nota de rodapé na página de título evitaria um mal-entendido fundamental. Agora vejo que não era razoável esperar que a palavra “imediato”, em um texto filosófico, pudesse ser globalmente compreendido como se aplicando a qualquer coisa que não fosse conhecimento, mesmo que a substância deste ensaio seja um protesto contra uma tal limitação. Mas eu me arrisco a repetir que este ensaio não nega a necessidade para o conhecimento de “mediação” ou reflexão, mas que ele afirma que o elemento inferencial deve existir, ou deve ocorrer, e que toda existência é direta ou vital, de modo que a filosofia deve passar ao estudo de sua natureza (como a de todos os seus outros objetos), somente depois de ter estabelecido como ela existe ou aparece.
Eu me arrisco a repetir igualmente uma outra afirmação do texto. Por “experiência imediata” não estou me referindo a qualquer tipo de material original a partir do qual as coisas evoluiriam; mas emprego o termo para assinalar a necessidade de utilizar na filosofia o método descritivo direto que agora penetrou em todas as ciências naturais, naturalmente levando em conta as modificações implicadas pelo próprio objeto de estudo.
Não há nada neste texto que implique que as coisas existiriam na experiência de forma atômica ou isolada. Dizer que uma coisa, na medida em que é conhecida, é diferente da coisa anterior experimentada sem cognição, não implica mais uma falta de continuidade entre essas coisas; assim como apontar a diferença entre uma semente e uma flor ou uma folha não significa negar sua continuidade. A quantidade e a natureza da continuidade ou descontinuidade que existe devem ser descobertas voltando-se para o que realmente acontece na experiência.
Por fim, não há nada nesse texto que negue a existência de coisas anteriores à experiência que os homens têm delas. Na verdade, parece-me ser evidente que experimentamos a maioria das coisas comosendo anteriores ao fato de que as experimentamos. O objetivo deste artigo é deixar claro que não nos é permitido tirar conclusões filosóficas (em oposição às científicas) sobre a existência anterior no tempo até que tenhamos estabelecido o que é experimentar algo como passado. Acredito que essas quatro desmentidos abrangem todos os mal-entendidos encontrados nos quatro ou cinco artigos controversos (assinalados acima) mencionados no ensaio original. Um dos artigos (do professor Woodbridge) levanta uma questão de fato ao argumentar que a experiência da cognição nos diz, sem alterações, exatamente como as coisas são em outros tipos de experiência e que, nesse sentido, ela transcende outras experiências. Esse é um problema fundamental demais para ser discutido em uma nota.
Basta dizer que nosso artigo nos leva a crer que ele deve ser resolvido por meio de um exame cuidadoso das coisas tais como são experimentadas/experienciadas, a fim de ver se não ocorreriam modificações nas coisas reais quando elas fossem experimentadas/experienciadas como conhecidas, ou seja, como verdadeiras ou falsas por natureza. Os leitores que desejarem prosseguir com essa discussão podem consultar os seguintes artigos: vol. 2 do Journal of Philosophy, Psychology. 2 do Journal of Philosophy, Psychology, and Scientific Method, os dois artigos de Bakewell, p. 520 e 687; o de Bode, p. 658; o de Woodbridge, p. 573; o vol. 3 do mesmo Journal, artigo de Leighton, p. 174.
[1] Naturalmente, qualquer etiqueta é odiosa e enganosa. Tenho a esperança, no entanto, de que o leitor entenda o termo no sentido em que ele será exposto imediatamente, e não em um sentido mais comum e familiar. O empirismo, como o utilizo aqui, é o extremo oposto tanto do empirismo sensacionalista quanto do transcendentalismo, e pela mesma razão. Ambos recorrem a coisas definidas em termos que não são diretamente experimentados a fim de dar conta do que é diretamente experimentado. É por isso que critiquei esse empirismo como sendo de natureza essencialmente absolutista (Philosophic Review, vol. 11, nº 4, p. 364); e também como sendo uma tentativa de fazer da experiência um conjunto de meios de controle e pistas metodológicas para alcançar a certeza (‘Studies in Logical Theory’, pp. 30 e 58).”
[2] Espero que o leitor não chegue à conclusão de que, do ponto de vista do empirista, o conhecimento seja de pouca importância ou valor. Pelo contrário, de seu ponto de vista, ele tem toda a importância que a experiência concreta nos diz que tem – que é simplesmente gigantesca. Mas a natureza exata desse valor só pode ser descoberta pela descrição do que significa experimentar objetos como objetos conhecidos – a diferença real que isso faz ou que se encontra na experiência.
[3] Como o não empirista acredita na existência de coisas em si (que ele pode chamar de “átomos”, “sensações”, unidades transcendentais, conceitos a priori, experiência absoluta ou qualquer outro nome), e como ele vê que o empirista dá grande ênfase à mudança (como deveria, já que a mudança é experimentada continuamente), ele supõe que o empirista quer dizer que suas Realidades empíricas, para ele, o não empirista, estão em fluxo contínuo e, naturalmente, ele estremece ao ver suas divindades serem tratadas de forma tão violenta. Mas quando se percebe que o empirista não recorre a nenhuma dessas realidades, todo o problema da relação da mudança com a realidade toma um rumo muito diferente.
[4] Tentar formular precisamente a natureza dessa diferença experimentada que chamamos de “verdade” nos levaria longe demais aqui. Os artigos recentes do professor James podem ser consultados com proveito. O que você precisa ter em mente aqui é que tipo de coisa o empirista deve querer dizer com “verdadeiro” ou “mais verdadeiro” (o nome Verdade é, obviamente, apenas um nome geral para todos os casos de “Verdades”). A exatidão de qualquer teoria específica não é algo que possa ser estabelecido pelo raciocínio geral, mas por meio da descoberta do tipo de experiência que é, de fato, a experiência-da-verdade.
[5] Digo “relativamente”, porque o transcendentalista continua a sustentar que a cognição é, em última análise, imperfeita, uma vez que ela nos entrega apenas um símbolo ou aparência da Realidade (que está apenas no Absoluto ou em alguma Coisa-em-Si), caso contrário, o fato de a persiana bater teria tanta realidade ontológica quanto a existência do próprio Absoluto: uma conclusão que o não-empirista abomina, por razões que me escapam (exceto que isso significaria o fim do transcendentalismo).
[6] De modo geral, acho que a distinção entre os sufixos “-ive” e “-ed” é uma das distinções filosóficas mais fundamentais e uma das mais negligenciadas. Eu diria o mesmo sobre os sufixos “tion” e “ing“.
[7] O que é criticado, às vezes como “geneticismo” (se é que posso usar o termo), às vezes como “pragmatismo”, é apenas o fato de que o empirista leva em conta a “direção, as circunstâncias e o contexto” das coisas experimentadas – para usar a frase de Hobbes.
[8] Talvez esse ponto ficasse mais claro se eu o colocasse da seguinte forma: exceto quando se introduz julgamentos de valor posteriores, “real” significa apenas “existente”. A conotação positiva que torna o termo Realidade equivalente a uma entidade verdadeira ou autêntica é de grande importância do ponto de vista pragmático, mas o que é apontado no parágrafo acima é sua confusão com a realidade no sentido de existência.
[9] Não se escapa do Realismo Escolástico tão facilmente quanto se pensa. Ou cada coisa experimentada tem sua própria determinação, sua própria realidade insubstituível e insuperável, ou então devemos reconhecer que os “universais” são realidades separadas.
[10] Exceto, é claro, pelas proposições negativas. Seria possível dizer que certas concepções obviamente não são verdadeiras, pois se referem, por hipótese, a entidades inexistentes, ou seja, entidades não empíricas. Mas mesmo nesse ponto, o empirista deve proceder com cautela. Do seu ponto de vista, mesmo as afirmações transcendentais mais evidentes são, afinal, reais na medida em que são experiências e, portanto, estão sujeitas a uma transação com fatos. Por essa razão, ele não pode, em teoria, rejeitá-las in toto, mas deve mostrar concretamente como elas foram formadas e como devem ser corrigidas. Em suma, sua relação lógica com enunciados que dizem se referir a coisas em si mesmas, a substâncias desconhecidas, que não passaram pelo crivo da experiência, etc., é exatamente a mesma que a do psicólogo em relação às linhas de Zöllner.
Para citar este texto: DEWEY, John. O postulado do empirismo imediato. Blog do Labemus, 2023. [publicado em 14 de junho de 2023]. Disponível em: http://www.blogdolabemus.com/2023/06/13/o-postulado-do-empirismo-imediato-por-john-dewey/
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