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Homenagem a Touraine (1925-2023)

 

por François Dubet & Michel Wieviorka 

Tradução Diogo Silva Corrêa

Segue o link para o original em francês

Nas ciências sociais, não há um modelo único para a construção de uma obra intelectual, nem a melhor maneira de construí-la ao longo do tempo e a longo prazo. Alguns trabalham em torno de uma teoria central aplicada muito cedo a vários objetos, uma teoria que muda pouco com o passar dos anos – Émile Durkheim é um exemplo disso.

Para outros, o trabalho segue uma trajetória cujo núcleo teórico e objetos se transformam ao longo de sua existência, o que não exclui a coerência e a preocupação com a continuidade. Alain Touraine, que faleceu em 9 de junho de 2023, se enquadrava nessa segunda categoria, e ele explicou por quê.

Do trabalho aos movimentos sociais

O livro Un désir d’histoire (1977) conta como, na época da Libertação, um estudante da École Normale Supérieure, destinado a ser um bom aluno, tornou-se sociólogo. Rejeitando o espírito dos khâgnes e da “atemporal” rue d’Ulm, Touraine foi estudar a reforma agrária na Hungria, antes do fechamento do regime soviético. Em seguida, foi trabalhar no setor de carvão em Valenciennes, pouco antes de fazer a agrégation em história, preparada com seu amigo Jacques Le Goff – eles eram “coturnos” na ENS.

No Nord, onde ele teve um contato com a mineração, Touraine leu o livro Les Problèmes humains du machinisme industriel (1947) de Georges Friedmann “com empolgação”. Foi então que sua vocação como sociólogo e sua paixão pela “vida real” e pela vida da classe trabalhadora foram reveladas. Esse “desejo pela história” não corresponde ao projeto de estudar a história que já havia sido feita; tratava-se de entender como ela foi feita, ali e naquele momento, nos conflitos sociais e no imaginário dos atores, na vida comum. Na sociedade da década de 1950, a história estava em ação no trabalho, que muda o mundo e envolve a criatividade humana. Os principais atores sociais, os sujeitos da história, se constituem nos conflitos de trabalho.

Alain Touraine entrou para o CNRS em 1950 e foi encarregado por Georges Friedmann de realizar um estudo sobre o desenvolvimento do trabalho manual nas fábricas da Renault. Essa pesquisa se tornou um clássico, e o livro e os artigos que a descrevem são muito mais originais do que poderíamos pensar hoje.

Touraine estava de fato interessado na formação de uma consciência de classe, que não pode ser reduzida a um sentimento de pertencimento a uma comunidade, nem ao de exploração, e muito menos à adesão política, como o Partido Comunista e muitos intelectuais afirmavam na época.

Touraine mostra que a consciência de classe surge do encontro entre o trabalhador e a organização do trabalho, que o priva de sua autonomia. Basicamente, é a afirmação do sujeito defendendo sua capacidade de ser um sujeito contra as forças que o dominam[1].

Alguns anos mais tarde, ao estudar a “nova classe trabalhadora”, Serge Mallet se colocará nessa tradição. Em um momento em que, no contexto de uma reforma previdenciária desafiada por uma poderosa mobilização intersindical em 2023, e graças a ela, o trabalho é mais uma vez objeto de debates decisivos em nome da autonomia e do reconhecimento.

Para Touraine, assim como para os trabalhadores que ele entrevistou, a consciência de classe e a ação que a traduz não param na fábrica; elas envolvem uma crítica da organização do trabalho que é conduzida em nome de todos os valores da sociedade industrial. Começando no trabalho, o movimento social adquire um escopo universal porque visa controlar a historicidade das sociedades industriais, as principais orientações culturais que impulsionam o investimento e a aplicação de técnicas, ciência, racionalidade etc. 

Para Touraine, os movimentos sociais se opõem aos dominantes ao reivindicarem a direção de uma historicidade cuja definição todos compartilham. Um pouco como nas sociedades religiosas, onde as críticas às igrejas são feitas em nome da verdadeira fé.

A sociedade pós-industrial

Touraine foi um sociólogo da sociedade industrial, mas também foi quem previu o seu declínio. Enquanto o esquerdismo se impunha frequentemente como uma representação hipertrofiada das lutas de classe que pediam o retorno das vanguardas contra uma dominação total, Touraine localizou em maio de 1968 e em muitas outras lutas do período os atores de uma mudança na direção da sociedade pós-industrial.

O movimento de maio de 1968 combinou uma crise acadêmica com um desafio aos próprios valores das sociedades industriais. Ele se desenvolveu ao lado do movimento dos trabalhadores, que se baseava em uma lógica diferente. O esquerdismo, com o qual Touraine frequentemente tinha embates e do qual estava intelectualmente muito distante, clamava pela convergência de lutas sob a autoridade do Partido Comunista e o horizonte da revolução[2].

A crítica cultural foi, portanto, o significado essencial do movimento de maio de 1968, um ponto também sublinhado por Edgar Morin, que permaneceu amigo de Touraine durante toda a sua vida e que, juntamente com Claude Lefort e Cornelius Castoriadis, falou de uma “brecha cultural”. É também o que os pensadores mais conservadores, que viram nesse movimento o início de uma nova decadência moral, nunca deixam de enfatizar ou nos lembrar.

O movimento estudantil não é apenas um movimento de jovens contra o velho mundo; é também um movimento social, na medida em que desafia a subjugação do saber e do conhecimento a serviço das tecnocracias. Ele é o prenúncio de novos movimentos sociais.

Touraine publicou La Société post-industrielle mais ou menos na mesma época que o livro de Daniel Bell com o mesmo título[3] – Bell foi quem cunhou a expressão, o que Touraine sempre reconheceu. Mas para o sociólogo americano, a “sociedade pós-industrial” é um desenvolvimento da sociedade industrial, enquanto Touraine vê outro tipo de sociedade, que rompe com sua predecessora em vez de continuá-la, na qual a cultura é impulsionada pelo consumo e pela autoexpressão, enquanto a produção é cada vez mais técnica e anônima.

Touraine acredita que, no novo tipo de sociedade, que ele também descreve como “programada”, a tecnocracia substitui as velhas burguesias e controla cada vez mais a vida pessoal, o que, em resposta e em oposição a ela, dá origem ao surgimento de “novos movimentos sociais” que reivindicam experiência pessoal, identidades afirmadas e autonomia individual, para que as pessoas recuperem o controle sobre suas vidas.

Isso não significa que o movimento dos trabalhadores, assim como as desigualdades socioeconômicas e as aspirações ao socialismo, tenham desaparecido. Mas, progressivamente, novos atores entram no palco da história em construção: mulheres, minorias culturais, movimentos ambientais. Os próprios indivíduos querem ser os sujeitos de suas próprias vidas.

Uma sociologia da ação

Na década de 1970, o espaço intelectual da sociologia estava organizado em torno de uma série de grandes orientações. O período viu o apogeu dos modos de pensamento estruturalistas, geralmente marxistas, mas não necessariamente, com sua variante althusseriana identificando a sociedade com um sistema de dominação baseado em aparelhos ideológicos que Touraine descreveu como “lunares”.

Embora muito distante desse marxismo, Pierre Bourdieu propunha sua versão de uma sociologia da dominação e do consentimento, segundo a qual os atores fazem e pensam o que estão determinados a fazer e pensar, o que nos convida a pensar em termos de reprodução social, enquanto Touraine fala da “produção da sociedade”. Michel Foucault, por sua vez, defende uma concepção de ação próxima às teorias da dominação, ou mesmo da morte do sujeito, concepção da qual ele se distanciará gradualmente com Le Souci de soi.

Em contraste, Raymond Boudon e Michel Crozier analisavam a vida social em termos de escolha racional e os efeitos da composição dessas escolhas, e Raymond Aron, em suas abordagens da guerra e da vida internacional, usa paradigmas estratégicos que refletem o mesmo tipo de abordagem. Esse espaço é apresentado aqui de forma mais do que superficial e com referência exclusiva aos sociólogos franceses, o que poderia obscurecer a escala verdadeiramente internacional da vida intelectual na qual Touraine se desenvolveu. Mas isso é suficiente para dar uma idéia da posição singular de Touraine[4].

Touraine inscreve-se na grande tradição de análises históricas da modernidade, com o conceito de historicidade, definido como a articulação de um modelo cultural e um modo de acumulação. A vida social é um encontro, sempre conflituoso na ação, entre a integração por meio da cultura e o conflito em torno da acumulação e do controle do modelo cultural. Ela está necessariamente sob tensão, pois não é nem um sistema nem um mercado, e com isso Touraine se opõe tanto aos funcionalismos quanto às teorias da escolha racional.

No que chama de sistemas de ação histórica, Touraine convida a distinguir as significações de comportamentos que estão relacionadas à organização social e suas crises, à institucionalização de práticas e a conflitos de classe e movimentos sociais que lutam pelo controle da historicidade.

Ele também distingue os seus níveis: de baixo para cima, sociologicamente falando, o comportamento inscrito na organização social e no controle social comum, o comportamento político e as relações entre o Estado e a sociedade e, no nível mais alto, o dos movimentos sociais que vão além do comportamento comum e das ações políticas destinadas a promover interesses e estabilizar conflitos no que, para nós, é o jogo democrático.

Ser um sujeito

Para entender a vida social, é preciso estudar a ação, a consciência dos atores sobre ela e suas experiências comuns. Os atores “produzem” o que chamamos de sociedade, e há uma dimensão trágica nisso: o ator e o sistema nunca se reconciliam, seja por dominação ou pela força da socialização, e menos ainda pela harmonia de interesses. A história das sociedades é a história da sucessão de sistemas de ação históricos e de seu necessário dilaceramento.

Em Critique de la modernité[5], Touraine mostra que, por trás da razão triunfante, a modernidade sempre foi minada pelas nações, pelo mercado, pelas identidades e pelas fraturas internas e subjetivas, instaurando uma distância irreconciliável entre “nós” e “mim” [moi], e ainda mais entre “mim” [moi] e “eu” [je], ou entre moralidade e ética. Da mesma forma, os sistemas democráticos nunca conseguem institucionalizar totalmente os movimentos sociais. O ator nunca é adequado ao sistema.

A modernidade produziu o sujeito singular. Mas Touraine está preocupado, pois sente que a modernidade está agora ameaçada pelo reinado do mercado, pelo narcisismo, pela ascensão das identidades e pelo declínio do universalismo democrático, que é a condição necessária para a formação do sujeito individual e coletivo.

Nessa crise da modernidade, Touraine nos convida a fazer sociologia descartando a própria ideia de uma sociedade concebida como o entrelaçamento de uma cultura nacional, um estado soberano e uma economia nacional[6]. Aqui, também, ele está um pouco fora de sintonia com a cultura sociológica dominante na França, onde, para usar uma expressão cara a Ulrich Beck, reina o “nacionalismo metodológico”, abordando os problemas apenas dentro da estrutura do Estado-nação.

Com a globalização das culturas e do comércio, essa abordagem interligada não se sustenta mais; ela não passa de nostalgia, conservadora na melhor das hipóteses e reacionária na pior. Touraine convida seu leitor a defender a capacidade de ser um sujeito em um mundo em que a possibilidade de viver juntos é, mais do que nunca, uma provação e uma necessidade.

A intervenção sociológica

Touraine gostava de “grandes teorias” e murais históricos, e pode-se pensar que ele era mais um teórico do que um homem de trabalho de campo. Mas ele sempre realizava pesquisas e colocava suas ideias à prova dos fatos.

Em 1976, quando tínhamos acabado de concluir nossa tese de terceiro ciclo, ele nos convidou para trabalhar com ele em um programa de “intervenções sociológicas” dedicado aos novos movimentos sociais. O objetivo era descobrir até que ponto as lutas sociais eram movimentos sociais que envolviam um modelo de historicidade e dominação social, e não apenas o gerenciamento de crises ou a promoção de interesses comuns.

Partindo da premissa de que os atores são inteligentes e capazes de saber o que estão fazendo, desde que sejam colocados em determinadas condições que um dispositivo de pesquisa deve oferecer a eles, Touraine aplicou seu novo método de “intervenção sociológica” pela primeira vez. Para otimizar a reflexividade dos atores, e também a dos pesquisadores, criamos grupos de ativistas que foram confrontados com interlocutores relevantes – adversários, aliados, testemunhas – e que também discutiram entre si.

O objetivo dessas reuniões iniciais era quebrar ideologias e representações, transformar certezas em problemas e expor a heterogeneidade das lutas. Ao final de cerca de dez sessões, os pesquisadores submetiam suas análises aos membros dos grupos, que as aceitavam ou rejeitavam e, no final, coproduziam com os sociólogos uma análise de sua ação.

Esse método não é apenas complicado e exigente, mas também vai contra os hábitos profissionais mais bem estabelecidos, nos quais os sociólogos registram opiniões sem colocá-las à prova de fatos e opiniões contrárias, a fim de interpretá-las atribuindo a si mesmos uma espécie de monopólio do sentido, como se fosse evidente e óbvio que os atores sociais não sabem o que fazem e que é a “sociedade” que fala e age por meio deles.

Da Occitânia à Polônia

Juntos, e com outros pesquisadores, realizamos intervenções sociológicas com (e não apenas “sobre”) o movimento estudantil, o movimento occitano, o movimento antinuclear, o movimento dos trabalhadores e, finalmente, o Solidarność na Polônia em 1981. Todo método que se preze deve dar a si mesmo a chance de ver suas hipóteses refutadas. Às vezes, suspeita-se que a “intervenção sociológica” seja uma técnica de manipulação por meio da qual os pesquisadores sempre confirmam suas hipóteses sobre novos movimentos sociais.

Na maior parte das pesquisas, entretanto, nossas hipóteses mais otimistas não foram validadas, ou o foram apenas parcialmente. O movimento estudantil permaneceu dominado pela crise universitária e pela retórica de extrema esquerda. O movimento occitano, oscilando entre a defesa do idioma e a tentação do nacionalismo, e sobrecarregado por temas sociais carregados principalmente por pequenos produtores de vinho, preferiu desaparecer em vez de recorrer à violência. O movimento antinuclear do final da década de 1970 não conseguiu transformar sua oposição à energia nuclear civil em uma força política e em propostas para outros modos de desenvolvimento; ficou dividido entre a profecia exemplar e a crítica tecnicista da tecnologia. Quanto ao Solidarność, com o qual estávamos tão entusiasmados, detectamos nele o início de uma separação entre o movimento dos trabalhadores, a luta democrática e as tentações populistas – um impulso nacionalista que, infelizmente, ocorreu trinta anos depois.

O método de intervenção sociológica provou ser produtivo, mesmo quando se tratava de estudar lutas ou experiências que, a priori, estavam muito distantes dos novos movimentos sociais: racismo, antissemitismo, terrorismo, a “viração” de jovens nos subúrbios, a experiência escolar, câncer e assim por diante.

Se ela não se espalhou tão amplamente quanto esperávamos, isso se deve, sem dúvida, ao fato de ser extremamente pesada. Exige que as pessoas estejam dispostas a dedicar dezenas de horas a ela, exige que grupos de pesquisadores sejam mobilizados a longo prazo; ela requer a formação de vários grupos de intervenção em vários locais. Um único projeto de campo e um único pesquisador não são suficientes, e a forma como a pesquisa é organizada atualmente não incentiva compromissos tão longos e pesados.

No entanto, ela pode ser adaptada a recursos mais modestos do que os de um laboratório de sociologia, como fez Daniel Jacquin em sua tese sobre a luta do LIP.

Pesquisas na América Latina

Em 1956, acompanhado por Edgar Morin e Jean-Daniel Raynaud, Touraine montou um centro de pesquisa no Chile. Lá, ele se casou com Adriana e, de certa forma, nunca mais voltou. Ele dedicou vários livros às sociedades dependentes, ao populismo e à política na América Latina. Ele se tornou um sociólogo extremamente influente nessa parte do mundo, um “maestro”, às vezes até um ícone[7].

Aos seus olhos, as sociedades latino-americanas são dependentes e desarticuladas – pela ruptura entre os mercados nacionais e internacionais, pela extrema distância cultural e social entre as elites e o povo, entre o imaginário nacional e as culturas nativas, e pela posição das classes médias, que é ao mesmo tempo central e frágil. Essa desarticulação explica o peso do populismo e a extrema autonomia das ideologias, o papel esmagador da política, a violência dos conflitos e a fraqueza dos movimentos sociais.

Durante muito tempo na América Latina, Touraine acompanhou a experiência da Unidade Popular, depois a queda de Salvador Allende e a saída gradual da ditadura de Pinochet. Para ele, a América Latina não era um território exótico e o tocava em seu nível mais profundo. Em Paris, Touraine podia parecer um homem bastante reservado, até mesmo distante; na América Latina, ele se tornou “latino”, familiar, próximo das pessoas e de seus colegas. Ele viveu as tragédias de uma forma muito pessoal.

Companheiro da Segunda Esquerda (Deuxième Gauche)

Na tradição francesa, um acadêmico geralmente se torna um intelectual que intervém na arena pública, e Touraine não foi exceção a esse modelo. Amigo íntimo de Michel Rocard e Edmond Maire, ele via a “segunda esquerda” como o operador político dos novos movimentos sociais e das mudanças sociais e culturais que ele queria observar.

Touraine era o que costumávamos chamar de social-democrata, tão comprometido com a igualdade quanto com a liberdade. Ele ficou do lado dos estudantes de Nanterre e de Daniel Cohn-Bendit, de quem sempre foi amigo, assim como defendeu os movimentos feministas, as lutas antirracistas, o Solidarność, os zapatistas e assim por diante. Mas quando se trata de compromisso, sua posição sempre foi singular, muitas vezes desconfortável e, às vezes, incompreendida.

Homem de esquerda, bem familiarizado com o mundo dos trabalhadores e dos sindicatos, Touraine era mais do que desafiador do discurso convencional da esquerda política sobre capitalismo, classes sociais, Estado e democracia. Embora tenha votado em François Mitterrand sem hesitação em 1981, ele tinha sérias reservas quanto à mistura de retórica radical e práticas flutuantes que caracterizavam a esquerda na época. Da mesma forma, contra a maioria da esquerda, ele apoiou as posições da CFDT durante as greves de 1995, o que não foi a escolha mais popular.

Quando analisamos as posições que ele assumiu, vemos que ele era ao mesmo tempo comprometido e distante. Comprometido com uma causa na arena pública, e distante porque tinha grande dificuldade em aderir à ideologia dessa causa: favorável às lutas estudantis, distante do esquerdismo; favorável às lutas dos trabalhadores, mas não se deixava enganar pelo corporativismo; favorável ao direito de ser si-mesmo, mas lúcido quanto aos riscos de derivas comunitárias.

Além disso, ele sabia muito bem que a ética da convicção e a indignação que a acompanha não fazem, por si só, uma política, e que o mundo não desaparecerá só porque é injusto ou porque estamos com raiva.

Agradecimento a Touraine

Embora Touraine sempre tenha acreditado que a esperança é um dever e que não há nada pior do que se deixar levar pela nostalgia, é preciso dizer que a nebulosa Segunda Esquerda não está em sua melhor forma, que a raiva e o sentimento de desprezo inspiram mais o populismo do que os programas alternativos.

Desse ponto de vista, Touraine nos deixa quando nossas antigas categorias políticas parecem nos abandonar. Sentiremos falta de sua determinação em acreditar que fazemos história tanto quanto sofremos com ela.

Como muitos cientistas e intelectuais renomados, Touraine era um mandarim, em uma época em que os laboratórios e as equipes eram unidos em torno de um “chefe”. O sucesso intelectual dependia da força das ideias e das produções, por um lado, mas também, por outro lado, das estratégias de poder para estabelecer uma escola, ganhar discípulos, controlar periódicos e coleções e construir redes de influência.

Sem dúvida, Touraine tinha a autoridade de um “chefe”, mas nunca quis se envolver em uma guerra de desgaste e de posicão para garantir sua autoridade graças à mobilização de recursos e redes. Talvez ele achasse que isso era uma perda de tempo e pouco honroso.

Portanto, tivemos a sorte de ser seus alunos e amigos, sem nunca termos sido convidados a ser seus discípulos. Para o bem, e talvez para o menos mal, ele nos deixou livres para nos tornarmos o que queríamos ser. Como não agradecê-lo? Como podemos deixar de agradecê-lo?

 


[1] La conscience ouvrière, Seuil, 1966.

[2] Le communisme utopique, Seuil, 1968.

[3] La société post-industrielle, Denoël, 1969.

[4] Sociologie de l’action, Seuil, 1965 ; La Production de la société, Seuil, 1973 ; Le Retour de l’acteur, Fayard, 1984.

[5] Critique de la modernité, Fayard, 1992.

[6] Un nouveau paradigme, Fayard, 2005.

[7] La parole et le sang, Paris, Odile Jacob, 1988.

 

Para citar este post: Dubet, François & Wieviorka, Michel. Homenagem a Touraine. Blog do Labemus, 2023. Tradução Diogo Silva Corrêa. [publicado em 21 de junho de 2023]. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2023/05/09/homenagem-a-touraine/ 

 

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