
Fonte: http://www.joachimsauter.com/en/work/resonance.html
Por Hartmut Rosa
Tradução: Diogo Silva Corrêa
Clique aqui para pdf
Tudo começou faz oito anos no vilarejo em que nasci e em que passo uma parte do ano, chamado Grafenhausen. Da minha casa, eu tenho a vista para as colinas e para os vales que se estendem até os Alpes… Durante a noite, tenho o hábito de passar um tempo na janela aberta do meu quarto para contemplar o mundo e meditar sobre a minha relação com ele. Progressivamente, compreendi que a maneira como eu me relacionava com o mundo e como o mundo se relacionava comigo estava a cada dia um pouco diferente. Por vezes, o céu estava limpo, os passarinhos cantavam e uma temperatura amena acariciava meu rosto; em outras ocasiões, chovia e fazia frio. Mas não era o mundo exterior que mudava: era também a reação, ou a reatividade, de meu espírito e do meu corpo. Passei então a me interrogar sobre o que diferenciava os meus estados de espírito. Quando estou de bom humor, tenho a impressão de que o mundo se abre para mim, que uma miríade de cordas entra em vibração e ressoa, como que me convidando para o mundo. Essas cordas, eu sei, estão ligadas a outrem. Lá fora, meus amigos me esperam, minha família está do meu lado, meus colegas contam comigo. As coisas a serem feitas, os desafios e as aventuras me interpelam. Entre mim e o mundo, eu sinto uma interpenetração ou, para retomar a formulação de Herbert Marcuse, uma “energia libidinal”.
Quando estou de mau humor, essas cordas cessam de ressoar. O mundo exterior não canta mais, ele joga sobre mim um olhar hostil ou indiferente, como se seus contornos não me conferissem mais nenhuma aderência. Como explicar que em um dia o mundo parece cantar e que, no dia seguinte, ele se cala? Um tal contraste não está ligado a eventos extraordinários. Eu tenho várias razões “objetivas” para estar satisfeito ou alegre e mesmo assim o mundo me aparece surdo em suas orelhas; inversamente, eu experimento uma série de inconvenientes e, contudo, os eixos de ressonância se põem a vibrar. Frequentemente, um gesto de reconhecimento ou de desprezo faz a diferença: um velho amigo retoma contato, um desconhecido me sorri, alguém próximo faz-me um testemunho de sua afeição. O contrário é também verdadeiro: eu não recebo a ligação esperada, meu vizinho nem me fala bom dia, uma discussão familiar termina mal. Isso basta para que eu me feche em mim mesmo, ou para que eu me feche para o mundo.
Eu dei-me conta de que, para mim, a música desempenhava um papel decisivo. Quando os eixos de ressonância se abrem, uma melodia flutua sobre os meus lábios e em meu coração. Escutando música, percebo correspondências secretas entre o disco, essa música interior e o mundo exterior. Em meus maus dias, por outro lado, sou capaz de apreciar um disco, mas a música não me toca, ela não faz nenhum eco no mundo exterior. Eis porque me sinto reticente ao compartilhar a tese de meu mentor Axel Honneth, que considera o desejo de reconhecimento social como nosso motor.
Não nos basta sermos amados: nós aspiramos por uma conexão. Nós temos necessidade de entrar em ressonância com outrem, com a natureza, com o nosso trabalho e, como diria Charles Taylor, meu outro mestre na filosofia, com um universo que faça sentido positivamente. Esse fenômeno não remete somente à tradição romântica (cantar e encantar o mundo), mas também ao grande medo da modernidade: mesmo se nós nos tornamos mestres da natureza, o mundo corre sempre o risco de se tornar indiferente a nós. Esse medo, ele se exprime na alienação de Karl Marx, no desencantamento de Max Weber, na reificação de Georg Lukacs, no absurdo de Albert Camus. Trata-se da razão pela qual nós difundimos a música em todos os lugares. Nos transportes, nós colocamos os fones de ouvido para calar um ambiente urbano diante do qual perdemos por completo a esperança de entrar em ressonância. Isso trai a angústia de um mundo silencioso. Nossos ritmos de vida e a aceleração vertiginosa dos modos de interação não nos ajudam a entrar em contato com as cordas de ressonância. Estabelecer e entreter uma ressonância com outrem, mas também com os objetos, o espaço, o trabalho, demanda tempo. Nessa perspectiva, eu me coloquei como objetivo elaborar uma sociologia da ressonância que estuda as condições sociais nas quais o mundo nos fala, ou permanece indiferente a nós.
Texto traduzido do livro Remède à l’accélération. Impressions d’un voyage en Chine et autres textes sur la résonance. Paris, Philosophie Magazine Éditeur, 2018.
0 comentário em “Nascimento do conceito de ressonância, por Hartmut Rosa”